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PECs dos gastos públicos no Congresso: perguntas e respostas

Propostas que buscam regular como União, estados e municípios usam seus recursos podem significar avanços, mas há grande probabilidade de gerarem mais restrição fiscal e aumento de desigualdade

As Propostas de Emenda Constitucional 186, 187 e 188, que estão em tramitação no Congresso Nacional, propõem alterações na regulação de gastos públicos de União, estados e municípios de diferentes maneiras.

Neste texto, organizamos perguntas e respostas sobre o que está em jogo no debate dessas PECs, que podem representar alguns avanços, mas trazem consigo grande probabilidade de gerarem mais restrição fiscal e aumento da desigualdade no Brasil.
 
1. Do que tratam as PECs 186, 187, 188 que estão em tramitação no Congresso Nacional?
 
A PEC 186/2019, batizada de PEC Emergencial, altera o texto da Constituição e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias com mudanças sobre medidas permanentes e emergenciais de controle de despesas obrigatórias caso, para a União, as operações de crédito excedam a despesa de capital ou, para estados e municípios, as despesas correntes superem 95% das receitas correntes.
 
A PEC 187/2019, conhecida como PEC dos Fundos, institui reserva de lei complementar para criar fundos públicos e prevê a extinção dos fundos que não forem revistos e ratificados após a aprovação da emenda constitucional.
 
A terceira e maior é a PEC 188/2019, chamada de PEC do Pacto Federativo, que altera 24 artigos da Constituição Federal e quatro do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
 
2. Se aprovadas as PECs, o governo ficará proibido de aumentar gastos com pessoal durante crises?
 
A PEC Emergencial (186/2019) propõe alterações no artigo 167 que barram medidas que ampliam os gastos com pessoal durante momentos de crise, como a contratação ou promoção de pessoal, e preveem a possibilidade de reduzir em 25% o tempo de trabalho — e os salários — de funcionários públicos.
 
O novo texto prevê que, durante momentos em que as operações de crédito excedam às de capital, os governos estão proibidos de fazer qualquer mudança em estrutura de carreira pública que implique aumento de despesa, e bloqueia a realização de concurso público nesses períodos.
 
Além disso, a PEC suspende a progressão e a promoção funcional em carreira de servidores públicos ou empresas públicas, mas prevê a exceção do Ministério Público, do Itamaraty e das carreiras policiais.
 
3. Judiciário e Legislativo terão de cortar gastos?
 
A PEC Emergencial inclui os poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público e a Defensoria Pública na obrigação de realizar ajustes financeiros em suas despesas discricionárias para cumprir metas fiscais.
 
O artigo 168 proposto afirma que “se verificado, durante a execução orçamentária, que a realização da receita e da despesa poderá não comportar o cumprimento das metas fiscais estabelecidas na respectiva lei de diretrizes orçamentárias, os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, por atos próprios, promoverão a limitação de empenho e movimentação financeira das suas despesas discricionárias na mesma proporção da limitação aplicada ao conjunto de despesas discricionárias do Poder Executivo”.
 
4. Municípios e estados serão obrigados a fazer o ajuste fiscal determinado pelo governo federal?
 
A adoção das medidas de ajuste fiscal por estados, Distrito Federal e municípios será a condição para que a União conceda benefícios ao ente federado com problemas fiscais. Mesmo com a independência dos governos, os entes subnacionais serão, de certa maneira, obrigados a seguir as novas regras para ter acesso, por exemplo, a empréstimos federais.
 
Como, desde 2015, há muitos estados e municípios que se encontram em situação de desequilíbrio orçamentário e financeiro, é provável que necessitem de apoio da União (assim como já acontece com o Rio de Janeiro), o que lhes obrigará a realizar os ajustes.
 
5. As novas PECs limitam os subsídios e renúncias tributárias?
 
A regra proposta é que o governo seja obrigado a rever as renúncias tributárias a cada quatro anos. Atualmente, os Executivos podem dar incentivos fiscais beneficiando determinados setores da economia sem restrição em relação a seu orçamento.
 
As PECs 186 e 188 propõem que os benefícios, a partir de 2026, não possam ultrapassar 2% do PIB (Produto Interno Bruto). Estima-se que o governo federal, hoje, deixe de arrecadar 4% do PIB em impostos por renúncias fiscais que beneficiam empresas e pessoas físicas.
 
6. O que pode acontecer com os recursos garantidos constitucionalmente para as áreas de saúde e de educação?
 
A PEC do Pacto Federativo propõe uma alteração no artigo 198 da Constituição que permitirá que o percentual mínimo de investimentos em educação e saúde sejam somados para o cumprimento da Constituição. Atualmente, a União já não tem mais a regra de aplicação mínima de 18% de impostos, alterada com a Emenda Constitucional 95 de 2016. Já estados e municípios são obrigados a aplicar 25% de impostos e transferências em educação. Na saúde, os municípios aplicam 15%, enquanto estados devem aplicar 12% de seus impostos e transferências.
 
A proposta da nova emenda constitucional permitiria redução nos recursos gastos com educação quando o investimento mínimo em saúde for extrapolado, ou que seja reduzido o gasto em saúde quando o gasto mínimo em educação for extrapolado.
 
Na prática, boa parte dos municípios e estados investem mais do que o mínimo em saúde — em 2018, 24,8% de todos os gastos públicos municipais foram dedicados à saúde, segundo dados do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro). Em educação a aplicação tende a ser próxima a 25% dos impostos. Com a nova regra, o investimento mínimo total poderia privilegiar uma das duas áreas em detrimento da outra.
 
A alteração responde a reclamações dos Executivos nacional e subnacionais de que os dois mínimos constitucionais engessariam muito o orçamento. A PEC, no entanto, não traz estudos que apontem o percentual de investimento dedicado a essas áreas e o possível impacto da reunião das duas áreas no limite mínimo nos investimentos da União e dos estados e municípios.
 
Esta alteração proposta pela PEC é difícil de ser aprovada pelo Legislativo, no entanto, pois essas são áreas muito sensíveis e já há demonstração dos legisladores de sua discordância em relação a essa flexibilização.
 
7. As PECs vão possibilitar maior descentralização de recursos para estados e municípios, garantindo uma nova fonte para educação?
 
A PEC 188 prevê alteração no artigo 212 para que os recursos do salário-educação passem a ser completamente repassados a estados e municípios conforme o número de matrículas da educação básica oferecidas. Atualmente, a contribuição social, equivalente a 2,5% dos salários pagos pelas empresas, já é completamente usada na educação básica, mas a administração é dividida entre União, estados e municípios.
 
A alteração aqui não significaria novo recurso para educação, mas mudança na administração de cerca de R$ 9,3 bilhões anuais. O dinheiro deixaria de ser distribuído pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), ligado ao Ministério da Educação, e a decisão sobre seu uso seria definida por cada ente subnacional.
 
Hoje, 60% desse recurso vai direto para estados e municípios e os outros 40% ficam com o FNDE, que redistribui para escolas públicas, de redes municipais e estaduais, por meio de programas de merenda escolar (PNAE), de transporte escolar (PNATE), de compra de livros didáticos (PNLD) ou de construção de creches e escolas (Proinfancia), entre outros.
 
A proposta já era analisada pelo Congresso em outro projeto (PL 5.695/2019), proposto pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF).
 
A mudança vem em par com uma outra alteração na redação no parágrafo 4 que passa para estados e municípios a responsabilidade total pelo financiamento de programas de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde, deixando os recursos da União de fora.
 
A PEC também não traz estudos sobre o impacto dessa alteração para os programas e para a coordenação da política de educação do MEC, que usa, por exemplo, o programa de livros didáticos para definir títulos coerentes com a base nacional curricular para as redes escolares. Outro ponto que merece estudo é o impacto financeiro da descentralização, já que o preço dos insumos pode ser elevado quando diluído nos sistemas estaduais e municipais, em vez de ser negociado em uma grande compra nacional.
 
8. As PECs alteram os recursos destinados ao Fundeb?
 
Não diretamente, mas podem ter impacto. A PEC dos Fundos não altera a constituição dos fundos ou seu tamanho. A continuidade do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) após 2020 depende da aprovação pelo Congresso de outras propostas de emenda constitucionais em tramitação sobre o tema (PEC 15/2015, na Câmara, ou PEC 33/2019 e PEC 65/2019).
 
No entanto, as novas regras propostas pelas PEC Emergencial e do Pacto Federativo sobre os ajustes que devem ser feitos por governos subnacionais em desequilíbrio fiscal podem dificultar a aplicação de recursos do Fundeb para salários de profissionais da educação básica.
 
O Fundeb atualmente em vigor dispõe que 60% dos recursos do fundo devem ser usados com o pagamento desses profissionais. Uma das propostas em discussão no Congresso prevê que ao menos 80% dos recursos do Fundeb sejam usados para salários. Contudo, se o estado ou o município estiver em desequilíbrio fiscal e precisar fazer reajustes na folha de pagamentos, qual regra será mais importante: a do Fundeb ou a do ajuste fiscal?
 
Para fazer uma avaliação adequada do impacto dessas regras seria necessário saber quantos municípios e estados hoje aplicam mais e menos que os 60% dos recursos do Fundeb para salários de profissionais da educação básica, e analisar a projeção dessa despesa e o total de gastos com pessoal a partir de 2020. Essas informações não foram apresentadas pelo governo.
 
9. A PEC desobriga a construção de escolas públicas?
 
Sim, o texto proposto pela PEC do Pacto Federativo para o artigo 213 da Constituição tira a obrigatoriedade dos governos de “investir prioritariamente na expansão de sua rede” em locais em que faltem vagas para estudantes de educação básica. Os governos podem, assim, dar bolsas de estudo em escolas particulares para garantir a oferta das matrículas obrigatórias, sem ter de ampliar seu investimento na educação pública.
 
10. A PEC vai reduzir o número de municípios no Brasil?
 
Não necessariamente. A proposta indica que municípios de até 5.000 habitantes que não puderem comprovar, até junho de 2023, que sua arrecadação própria de impostos corresponde a 10% da receita total do município serão extintos e incorporados a municípios vizinhos maiores.
 
Atualmente, de acordo com o jornal Valor Econômico, o Brasil tem 1.154 municípios nessas condições.
 
A regra pode ter dois impactos diferentes. O primeiro de obrigar municípios pequenos a criar novos impostos e contribuições ou aumentar suas taxações para garantir a receita mínima necessária ou, dentro de quatro anos, uma grande redução no número de cidades. Entretanto, a proposta não traz estudos que mostrem quantos municípios têm capacidade de ampliar suas taxações ou da repercussão da extinção de municípios para o Fundo de Participação dos Municípios.
 
O que é possível afirmar é que o texto proposto gera uma instabilidade institucional para os municípios pequenos criando dúvidas sobre sua existência futura e a continuidade de suas políticas públicas.
 
11. O que muda nas ferramentas de controle de orçamento dos governos?
 
Uma alteração no artigo 164 retira da Constituição a obrigação de que os governos executivos apresentem Plano Plurianual (o PPA). O plano é o instrumento que estabelece as diretrizes, objetivos e metas a serem seguidos ao longo de quatro anos pelos governos federal, estadual ou municipal. A nova proposta extingue o plano plurianual e inclui uma lei orçamentária plurianual.
 
Neste caso é fundamental esclarecer que planos e orçamentos, apesar de sua absoluta interdependência, são distintos. Os planos têm a função de determinar objetivos, metas e resultados que a administração pública deve buscar por meio de ações, utilizando os recursos orçamentários. Para isso, o PPA, desde os anos 2000, vem sendo baseado na realização de uma avaliação diagnóstica de problemas a serem enfrentados em cada território. A partir dos problemas, são definidos os objetivos da administração pública, de forma transparente e que seja passível de controle pelo Poder Legislativo e pela sociedade.
 
O alcance dos resultados, metas e objetivos do PPA devem ser controlados por meio de indicadores diversos e o indicador de eficiência, que mede o uso adequado dos recursos orçamentários, é apenas um deles.
 
Por exemplo, em relação à redução da mortalidade infantil, o PPA deve prever qual seria a meta de números de mortos por nascidos vivos a se alcançar naquele período. Somente definir o valor de investimento previsto com esta meta e depois conferir se os recursos foram gastos não significa garantir que houve efetividade na política, ou seja, redução na mortalidade infantil.
 
Além de eficiente, a gestão pública deve ser eficaz e efetiva para melhorar a saúde, aprimorar o aprendizado escolar, garantir o acesso a transporte público de qualidade, entre outros objetivos desejáveis.
 
E apenas elaborar e controlar um orçamento plurianual não garante o requisito de diagnóstico prévio e não permite de forma clara a definição e controle da eficácia e efetividade tão necessárias para a resolução dos problemas nacionais.
 
12. Como fica a obrigação de transparência de estados e municípios?
 
A PEC do Pacto Federativo tem propostas que podem melhorar a transparência de estados e municípios. Ela determina que os dados contábeis, fiscais e orçamentários de todos os entes da federação deverão ser submetidos a um órgão da União.
 
Assim os dados dos mais de 5.500 portais de transparência ficariam reunidos em um único lugar, facilitando a consulta. Além disso, a reunião de informações em um órgão federal obrigará entes subnacionais a unificarem rubricas para declarar seus recursos e gastos orçamentários à União. Isso, porém, depende de um processo de ajuste, pois os municípios brasileiros são extremamente heterogêneos em termos de capacidade de gestão e organização contábil. Assim, como destacou o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, é importante que sejam definidos períodos de transição e investimentos para que esta nova regra possa ser efetivamente cumprida.
 
13. O que muda com o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional na Constituição?
 
A PEC 188 altera o artigo 6 da Constituição incluindo que “na promoção dos direitos sociais deve ser observado o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”.
 
Sem regulação e clareza, a inclusão do direito ao equilíbrio fiscal entre gerações como possível restritor da promoção de direitos sociais pode colocar em risco a oferta de todos os direitos sociais básicos, como educação e saúde. A alteração permitiria, por exemplo, a decisão de reduzir a oferta de saúde para que não sejam criadas dívidas.
 
Cristiane Capuchinho é mestre em Gestão de Políticas Públicas pela EACH/USP e jornalista. Pesquisa implementação de políticas educacionais nas redes públicas de ensino.
 
Ursula Dias Peres é doutora em Economia (FGV/SP), professora e da EACH/USP e do Centro de Estudos da Metrópole/CEM/USP e foi Secretária Adjunta de Planejamento, Orçamento e Gestão do Município de São Paulo.
 
 

Fonte: NEXO

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