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Entrevista do secretário sobre a arrecadação: o (muito) que faltou ser dito

Não existe arrecadação espontânea. É preciso deixar a hipocrisia de lado e ter coragem para dizer, com todas as letras: os contribuintes sempre buscam alguma forma de pagar menos tributos. Não à toa, as grandes corporações contratam assessorias especializadas para encontrar brechas de planejamento tributário para que possam pagar menos, sobretudo nas crises. Afinal, os tributos compõem os custos que reduzem os seus lucros.
 
Essa verdade, entretanto, foi escondida, para dar lugar a uma versão distorcida e leviana, veiculada em rede nacional, pela Rede Globo, nesta terça (25), e disponível neste link, sobre o melhor desempenho arrecadatório desde o ano 2000. “Segundo a Receita, essa arrecadação expressiva mostra uma lucratividade crescente das empresas”, disse a reportagem.
 
O complemento está na entrevista que o próprio secretário da Receita Federal, o Auditor-Fiscal Julio César Vieira Gomes, gravou para a emissora: “É um processo de recuperação econômica que nós passamos por 2021. O contribuinte entendeu a necessidade de, nesse período nosso, onde há um aumento da solidariedade, pelos reflexos negativos da pandemia, dos reflexos econômicos, houve uma maior conscientização da adimplência do tributo. E isso daí a gente a gente vê; senti bastante no decorrer de 2021”.
 
Tais palavras poderiam vir de qualquer pessoa, exceto do Auditor-Fiscal que está à frente da Receita Federal. Com todo respeito, o prezado colega parece ter esquecido o fato de que, a exemplo de outras épocas, a arrecadação recorde se deve, em grande parte, ao desempenho do órgão, em especial dos Auditores-Fiscais, como ele. Os números expressivos decorrem, entre outros fatores, da presença fiscal ostensiva e do controle executado pelas autoridades tributárias.
 
Neste contexto, cabe lembrar que, mesmo quando a arrecadação ocorre de forma automatizada, existe o trabalho de fiscalização. Com o correto emprego da tecnologia, a máquina tributária executa o devido monitoramento, não dando margem ao que, na interpretação do secretário, seria uma falta de “solidariedade”. O fato é que não foi por “solidariedade” que os contribuintes pagaram seus tributos em 2021.
 
A reportagem tenta, ainda, emplacar a tese de que o recorde histórico de arrecadação se relaciona com a suposta retomada do crescimento econômico no ano passado. Bastava uma apuração um pouco mais responsável, um mero olhar no retrovisor da história recente, para se chegar a uma constatação completamente diferente: a arrecadação cresceu também em *2020*, justo em um ano em que, na prática, a economia do país retraiu. Isso foi observado também em 2019.
 
Na construção da narrativa da matéria, observa-se, ainda, um artifício sutil. A repórter afirma: “economistas concordam que a arrecadação histórica confirma a retomada da atividade econômica”. Perceba. “Economistas” no plural. Ora! A veracidade de uma constatação estatística reside no tamanho da amostragem. Se fosse respeitado este princípio básico da estatística, o mais prudente seria dizer: “dos 30 economistas que entrevistamos, 25 concordam que a arrecadação histórica confirma a retomada da atividade econômica”. A emissora, porém, preferiu atribuir sua própria premissa, genericamente, a “economistas”, sem mencionar quantos deles. 
 
Na sequência, representando essa suposta amostragem composta por diversos economistas, aparece um único economista, dizendo o seguinte: ”(…) diminui o ritmo de crescimento da dívida pública. Com isso, diminui a despesa que a gente vai ter em pagamento de juros da dívida pública. E o quadro fiscal e econômico fica melhor. Agora, corremos o risco de esse aumento de receita gerar uma ilusão de que nós temos recursos para gastar. Isso não é verdade. A gente ainda tem muito o que melhorar para impedir que a dívida pública continue crescendo”.
 
Note, estimado (a) leitor (a), que, na fala do economista, editada de modo a iniciar sem o sujeito da oração, ele não estabelece claramente a relação de causa e efeito entre aumento da arrecadação e aquecimento da economia, como afirmou a reportagem. Será que foi isso mesmo o que ele quis dizer?
 
Outra reportagem, também nesta terça (25), do jornal Correio Braziliense, é mais descritiva e menos opinativa, com um viés, aparentemente, mais técnico do que a reportagem da Rede Globo. Contudo, na matéria do Correio, disponível neste link, a explicação oficial da Receita Federal para o desempenho arrecadatório também não contém qualquer referência às autoridades tributárias que trabalham justamente para reduzir os espaços de inadimplência e de sonegação.
 
“Segundo a Receita, o resultado pode ser explicado, principalmente, pelos fatores não recorrentes, como recolhimentos extraordinários de, aproximadamente, R$ 40 bilhões do IRPJ/CSLL de janeiro a dezembro de 2021, e pelos recolhimentos extraordinários de R$ 8 bilhões no mesmo período do ano anterior. Além disso, as compensações cresceram 14% no período acumulado”, informa a jornalista do Correio Braziliense.
 
Foram duas oportunidades, desperdiçadas pelo secretário, de dar o devido crédito aos responsáveis pelo melhor desempenho arrecadatório desde 2000. Isso sem mencionarmos as reportagens de outros veículos.
 
A verdade
 
O que as referidas reportagens e o secretário da Receita não revelaram, o Sindifisco Nacional demonstra, agora, neste editorial. O trabalho de combate a fraudes, o acompanhamento dos maiores contribuintes, o controle aduaneiro, a excelência do quadro técnico da Receita Federal, o comprometimento dos Auditores-Fiscais, a solidez da máquina tributária, o respeito do contribuinte à autoridade tributária, tudo isso, sim, ajuda a explicar o recorde de arrecadação em 2021.
 
A administração tributária responde de uma maneira muito eficiente à demanda do Estado brasileiro nos momentos mais agudos, apesar das severas restrições orçamentárias. Foi assim também em outras crises passadas. Essa pronta resposta da Receita Federal, principalmente nos períodos de grande déficit fiscal, é fundamental para que o governo possa cumprir com suas obrigações perante a sociedade.
 
Corte orçamentário
 
Neste sentido, é inaceitável que o governo federal tenha cortado recursos do orçamento da Receita Federal para o exercício de 2022, e persista em descumprir, sistematicamente, o acordo pendente com os Auditores-Fiscais desde 2016. Em 2022, assim como nos últimos anos, haverá necessidade de grande esforço arrecadatório de modo a minimizar os efeitos negativos dos imensos déficits fiscais.
 
Um dos principais fatores que asseguram a estabilidade da economia e o crescimento da arrecadação é sempre a administração tributária. Até mesmo o programa de conformidade tributária tem sua eficácia condicionada à ampliação da capacidade da administração tributária de exercer, de forma ativa, o acompanhamento, a fiscalização e o ajustamento dos desvios. Nesses pontos é que o secretário deveria se ater, em vez de estabelecer conexões elucubrativas entre macroeconomia e solidariedade.

Fonte: Sindifisco Nacional

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