Notícias

Imagem

Crise abre caminho para taxação dos lucros e dividendos

Acordo entre deputados do Centrão e da oposição indica possibilidade de se rever a isenção de Imposto de Renda
 
Um acordo iniciado entre deputados do Centrão e da oposição indica a possibilidade de se rever, 25 anos depois, a isenção de Imposto de Renda sobre os dividendos pagos aos acionistas de empresas, aprovada no governo FHC e que constitui uma anomalia mundial.
 
Para cumprir o seu compromisso com o mercado, de encaminhar a Proposta de Emenda Constitucional 45 que trata da necessária simplificação dos tributos sobre o consumo, mas não aborda o problema da regressividade do sistema, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, necessitaria dos votos dos seis partidos de oposição, que condicionam o seu apoio, entretanto, à incorporação da emenda substitutiva global 178, elaborada em outubro e assinada por 204 parlamentares, inclusive alguns do Centrão.
 
A tributação de dividendos é um dos principais pontos dessa emenda, que vai além da racionalização visada pela PEC e propõe uma reforma caracterizada por maior justiça social e sustentabilidade ambiental. Na quarta-feira 30, Maia, em campanha pela própria reeleição à presidência da Câmara, disse contar com os 320 votos necessários à aprovação da reforma.
 
Na terça-feira 1, a oposição aguardava o texto do relator da PEC 45, deputado Aguinaldo Ribeiro, para analisar a incorporação das suas propostas. O passo seguinte é a apreciação do relatório pela Comissão Especial que, em caso de aprovação, o encaminhará ao plenário. A tributação progressiva da renda e do patrimônio que a oposição quer incluir na reforma tributária abrange a cobrança de impostos na distribuição de lucros e dividendos, a proibição da dedução dos juros de capital próprio e a taxação de fortunas e heranças.
 
Reforma tributária é assunto que parece sempre pronto a naufragar no País, mas a pressão inédita da pandemia sobre os gastos, o fim do auxílio emergencial, a explosão de desemprego prevista para o começo do próximo ano e os temores de uma nova onda de coronavírus configuram um conjunto inédito de pressões sobre as despesas e de necessidades de ampliação das receitas. Até o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o líder do governo, deputado Ricardo Barros, estariam de acordo com a inclusão de medidas que aumentem a progressividade do sistema tributário, segundo os jornais. “Há décadas o País pratica uma legislação tributária extremamente regressiva. Quem pode menos paga mais, e quem pode mais paga menos. O símbolo disso é a isenção tributária dos dividendos, em decorrência da Lei 9.249, de 1995, do governo FHC”, dispara o deputado federal Augusto Florence, vice-líder da oposição na Câmara e articulador das negociações.
 
“Até três anos atrás, ninguém falava em tributação sobre renda e patrimônio. Reforma tributária era sinônimo de simplificação dos impostos de consumo. Os estudos do Movimento Reforma Tributária Solidária, Justa e Sustentável contribuíram para que a taxação progressiva entrasse na agenda e essa é a principal novidade”, destaca o economista Eduardo Fagnani, professor da Unicamp e coordenador técnico dos estudos que fundamentaram a proposta dos partidos de oposição. “Com a pandemia”, prossegue, “há necessidade de fortalecimento da proteção social com a criação da renda básica e a ideia de tributar os super-ricos para distribuir aos pobres e miseráveis passa a ser algo aceito por mais setores da sociedade e do Congresso.” A exemplo do que ocorreu nos países desenvolvidos, quando tiveram de enfrentar as crises de 1929 e do pós-Segunda Guerra Mundial, a reforma tributária progressiva é o remédio mais indicado, ressalta Fagnani.
 
Os estudos da oposição mostram que o aumento da tributação sobre a alta renda e o grande patrimônio pode gerar recursos adicionais de 291,8 bilhões de reais por ano. Perto de 158 bilhões viriam do tratamento isonômico na taxação das rendas e da maior progressividade do IR da Pessoa Física, enquanto 40 bilhões seriam gerados pelo Imposto Sobre Grandes Fortunas. Uma nova tabela progressiva do IRPF aumentará o limite de isenção para a faixa com renda líquida próxima de três salários mínimos mensais, cerca de 10,1 milhões de trabalhadores, o equivalente a 34,1% dos contribuintes, e elevará as alíquotas para as rendas mais altas, grupo com cerca de 600 mil contribuintes que corresponde a 0,3% da população. O Imposto Sobre Grandes Fortunas incidirá apenas sobre patrimônios superiores a 10 milhões de reais, um grupo restrito de 60 mil contribuintes que representam 0,028% da população.
 
A pandemia aumentou a disparidade de renda no Brasil e a urgência da progressividade da tributação. Os 42 bilionários ampliaram suas fortunas em mais de 180 bilhões de reais, divulgou a organização não governamental Oxfam, total superior aos 167 bilhões de reais do auxílio emergencial. Enquanto isso, a desigualdade salarial atingiu novo recorde no terceiro trimestre, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.
 
O governo reafirmou dias atrás que não prorrogará o auxílio emergencial, não avançou na prometida alternativa ao Bolsa Família e não apresentou projeto de reforma tributária. Limitou-se a protocolar o PL 3887, que eleva o PIS-Pasep e a Cofins sobre serviços arrecadados na esfera federal, de 3,5% a 4% para 12%, e deixa de lado estados e municípios. Além disso, há apenas declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, favoráveis à tributação das movimentações bancárias feitas por meio de aplicativos, inclusive com uso do Pix. A PEC 45 da Câmara e a PEC 110 do Senado são semelhantes, limitam-se à racionalização do sistema e não abordam a regressividade. Tratam do tributo indireto, pago na aquisição de produtos, que consiste principalmente no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias, cobrado no destino e que passaria a ser arrecadado na origem. As duas propostas unificam taxas sobre o consumo, no IVA e no CBS, respectivamente.
 
A isenção tributária de dividendos é uma aberração encontrável só no Brasil e na Estônia, país de 1,3 milhão de habitantes que, nos anos 1990, implantou “uma das reformas pró-mercado mais radicais do mundo”, destacam os técnicos do Ipea Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair. A isenção contribuiu para a Estônia tornar-se uma das economias mais desiguais da União Europeia.
 
O sistema tributário brasileiro é um dos mais regressivos, dos que menos incidem sobre a renda e o patrimônio. Segundo os estudos utilizados pela oposição, esses dois itens, em conjunto, representam 67% da arrecadação total de impostos na Dinamarca, 60% nos EUA, 40% na OCDE e apenas 23% no Brasil. Por outro lado, a participação relativa dos impostos que incidem sobre o consumo, na arrecadação total, é de 17% nos EUA, 32,4% na OCDE e 50% no Brasil. A alíquota máxima do Imposto de Renda Pessoa Física na OCDE é de 41%, no Chile 40%, na Argentina 35%, na Colômbia 33% e no Brasil, apenas 27,5%. As baixas alíquotas na comparação mundial e os mecanismos de isenção tributária resultam em reduzida arrecadação do IRPF em relação ao PIB, de 2,5% no Brasil enquanto na ­OCDE o porcentual chega a 8,5%.
 
O sistema possui ainda diversos mecanismos que excluem da tributação as camadas de alta renda e grande parte das rendas do capital, inclusive a isenção de lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas. Por conta desses dispositivos, quem ganha mais de 240 salários mínimos mensais tem quase 70% dos seus rendimentos isentos de tributação. O Imposto Sobre Grandes Fortunas, aprovado pela Constituição Federal de 1988, até hoje não foi regulamentado. O Imposto Sobre Propriedade de Veículos (IPVA) não incide sobre aeronaves e embarcações. A alíquota máxima de 8% do Imposto Sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é muito inferior à praticada por países da OCDE, acima de 30% na maior parte dos casos. A arrecadação do Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) representa só 0,1% da arrecadação federal.
 

Fonte: Carta Capital

Categorias:

Comente esta notícia

código captcha
Desenvolvido por Agência Confraria

A Delegacia Sindical de Curitiba do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) utiliza alguns cookies de terceiros e está em conformidade com a LGPD (Lei nº 13.709/2018).

Saiba mais sobre o tratamento de dados feito pela DS Curitiba CLICANDO AQUI. Nessa página, você tem acesso às atualizações sobre proteção de dados no âmbito da DS Curitiba, bem como às íntegras de nossa Política de Privacidade e de nossa Política de Cookies.