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Roberto Piscitelli: "Os Auditores Fiscais e a Legitimação Social"

Roberto Piscitelli é Auditor Fiscal aposentado e Assessor Parlamentar na Câmara dos Deputados. Atualmente exerce o cargo de diretor de assuntos parlamentares na Delegacia Sindical Brasília.
O Auditor-Fiscal Roberto Piscitelli, ao tratar da importância da legitimação social, defende que "é preciso estabelecer uma espécie de agenda social, que recupere a nossa imagem em defesa das causas maiores, que reforce o nosso papel como atores sociais e políticos".

 

 

Roberto Piscitelli

Durante muito tempo se discutiu – e ainda se discute - no âmbito da Categoria quais seriam os objetivos de uma entidade sindical. Continuamos “rachados” a propósito desse assunto, e isso tem pautado as próprias campanhas eleitorais. A corrente ao que parece hoje dominante é a que defende uma atuação mais estrita do Sindicato: a principal bandeira são as reivindicações salariais; subsidiariamente, acrescentam-se outras demandas, diretamente associadas à carreira e às condições de trabalho. É o caso da Lei Orgânica do Fisco, do mandado de procedimento fiscal, da situação de algumas repartições, entre outros. Até aí, nada demais. Faz parte do espírito necessariamente corporativista de qualquer entidade do gênero. Aliás, a palavra corporativismo adquiriu uma acepção quase pejorativa no Brasil, porque está geralmente associada à ideia do individualismo, do imediatismo, que, em grande medida, caracterizam a sociedade brasileira. Houve uma época, entretanto, em que a Categoria esteve mais preocupada – ou mais propensa a aceitar – com a chamada legitimação social. Muito bem: e em que consiste essa concepção?

Entendo que esse processo de legitimação está relacionado com o que se poderia chamar de identificação com a coletividade em que se atua, com a inserção de cada filiado nas questões do dia-a-dia da população. Em outras palavras, é preciso ter sensibilidade para compreender que pertencemos a um mundo maior e que, sobretudo na condição de servidores públicos, exercemos sempre um duplo papel: assim como qualquer produtor é sempre um consumidor, todos nós – funcionários públicos – somos, antes de mais nada, cidadãos (e continuaremos sendo, inclusive quando não formos mais servidores). Mais ainda: não pertencemos a qualquer partido ou governo, somos quase uma ponte entre o poder político e o interesse da sociedade. Restrinjo-me às questões internas, para não ampliar muito a discussão, pois, como cidadãos do mundo, que todos somos, como parte da Humanidade, até as questões dos animais e do meio ambiente podem – e deveriam - ser extremamente relevantes. Afinal, o futuro a Deus pertence e aos nossos filhos também. Por que insisto “batendo nessa tecla”? Porque, mesmo achando que todas essas discussões sejam por muitos consideradas como “baboseiras”, um pouco da idade me ensinou que a consistência, a robustez de nossas reivindicações imediatas depende substancialmente da tal chamada opinião pública, representada ou não pela mídia.

O que tento dizer é que há uma hostilidade crescente da população em relação aos movimentos grevistas, às operações-padrão e a situações similares. Os governos, quase sempre, têm saído fortalecidos nas disputas com as mais diversas categorias funcionais; o argumento em regra utilizado é o de que as greves são “contra a população”. Ou seja: a população tende a separar cada vez mais, nitidamente, reivindicações salariais, “por mais justas que sejam”, das obrigações de prestação de serviços contínua e completa. Da mesma forma que nossas lutas se tornaram cada vez mais “corporativas”, do mesmo modo a população não nos identifica como parte dela e não reconhece nossas reivindicações como sendo parte do interesse coletivo mais geral. Neste sentido, creio que é preciso estabelecer uma espécie de agenda social, que recupere a nossa imagem em defesa das causas maiores, que reforce o nosso papel como atores sociais e políticos (e não partidários ou eleitorais), que nos devolva o reconhecimento dos próprios representantes e dirigentes políticos. Possivelmente, teremos de recomeçar pela justiça fiscal e ter participação efetiva nos recorrentes fóruns sobre a reforma tributária. Para ser mais específico, neste primeiro momento, proponho a retomada da discussão sobre a correção da tabela do Imposto de Renda progressivo, incidente sobre as remunerações dos trabalhadores e, em particular, dos assalariados e servidores públicos. Como todos já sabemos, mas muita gente ainda não percebeu claramente, o congelamento e a subatualização da tabela progressiva vem-se constituindo, pelo menos a partir de 1996, em uma das maiores distorções na tributação do IR, pelo aumento sub-retício da carga incidente sobre os rendimentos do trabalho das pessoas físicas. Esse tratamento tem a agravante de provocar efeitos cumulativos e permanentes.

Estudo recente da Ernst & Young Terco (que não defende interesses de sindicatos, nem é instituição estatal) demonstra as conseqüências perversas que o grosso dos contribuintes tem sofrido pela esperteza das autoridades da área econômica dos diversos governos que se têm sucedido. Apresentando dados contundentes, a referida consultoria calculou uma defasagem na tabela do Imposto de Renda de 34,17% entre 1998 e 2011. Se a correção da tabela tivesse acompanhado a inflação, o imposto poderia ser 44% menor. A classe média foi a mais afetada. Em treze anos, descontada a inflação, o salto do IR sobre a renda do trabalho foi de 100,6% (passou de R$ 14,6 para R$ 68,8 bilhões). O aumento da carga é ainda mais insidioso, pois, com o aumento da renda real do trabalhador – a quase totalidade das categorias organizadas vem obtendo ganhos reais em suas negociações salariais -, parte do ganho foi embolsado pelo Leão. Vários outros estudos chegaram à mesma conclusão. O próprio autor, em artigo publicado nos Cadernos da ASLEGIS 1, demonstrou como a subatualização da tabela onera mais pesadamente as rendas mais baixas, não descartando a necessidade também de uma revisão da tabela, isto é, de sua reestruturação, contemplando-se questões tais como o piso de isenção, a composição das faixas e respectivas alíquotas, e os abatimentos permitidos. Salienta também o fato de que, mesmo nos anos em que se toma como referência a inflação, o parâmetro adotado é a meta de inflação, que tem sido sistematicamente ultrapassada.

O autor, ao considerar o período entre 1995 (com a desindexação da economia) e 2010, constatou que, para uma correção de 88,51% na tabela, a inflação acumulada pelo IPCA (índice oficial) foi de 209,36% (percentual ainda assim subestimado, pois o cálculo da inflação, no último ano, considerou a estimativa de 5,31% para um número final de 5,91%). Com base nesses dados, a correção complementar, até então, deveria ter sido de 64,10%. Note-se, também, que o efeito do aumento da carga se amplifica quando o contribuinte é deslocado de uma faixa para outra (mesmo sem aumento real de salário). Em alguns casos, bem entendido, o indivíduo passa da condição de isento para a de contribuinte propriamente dito. Com relação à estruturação da tabela, é relevante notar que, hoje, o piso mensal de R$ 1.637,11 corresponde a apenas 70% do salário mínimo familiar calculado pelo DIEESE–R$ 2.329,35 -, que seria uma espécie de renda mensal de sobrevivência. (Para uma família-padrão, corresponde a uma média per capita de R$ 582,00). Estas considerações se tornam ainda mais interessantes quando se considera que, de acordo com os critérios da Secretaria de Assuntos Estratégicos, a chamada classe média (emergente) é constituída de famílias com renda per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00 (a cesta básica em S. Paulo é estimada em R$ 277,27).

Assim, pela combinação dos critérios adotados pela RFB e pela SAE, o piso de isenção da tabela do IR corresponderia a 5,6 vezes o limite inferior de renda da classe “média”, o que faz supor que a imaginação de alguns economistas e a criatividade das autoridades da área econômica são capazes de produzir teses mirabolantes com a elegância de certos modelos recheados de hipóteses inusitadas. Ressalte-se, finalmente, que a supressão de uma série de deduções e a depreciação dos valores correspondentes a algumas das poucas remanescentes, levou-nos ao ridículo, por exemplo, de fixar a despesa mensal com dependente em R$ 164,56, ou com educação em R$ 257,61. Situações como essa acentuam o caráter de perda de progressividade e de isonomia horizontal na tributação das pessoas físicas cujos rendimentos estão sujeitos à tabela progressiva, o que equivale a dizer que o IR incide cada vez mais sobre a remuneração bruta e de forma proporcional, desvirtuando inteiramente a própria natureza e finalidade do tributo. O mais interessante é que a  diferenciação se estabelece, hoje, muito mais em função da natureza dos rendimentos: a incidência sobre lucros, juros e ganhos de capital, como se sabe, é muito mais branda. Pior, pois, para os assalariados, para os servidores públicos, que, além de se beneficiarem de poucas e míseras deduções, não têm a prerrogativa de constituírem pessoas jurídicas ou gozarem de tratamentos especiais, que os “sacos de bondades” dos legisladores e as facilidades do planejamento tributário são capazes de oferecer aos que se beneficiam de maior representatividade e reconhecimento perante a opinião pública e os núcleos de poder.

Roberto Piscitelli é Auditor Fiscal aposentado e Assessor Parlamentar na Câmara dos Deputados. Atualmente exerce o cargo de diretor de assuntos parlamentares na Delegacia Sindical Brasília.

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