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Guedes pendura auxílio em PEC que transforma direitos sociais em concessões

Bodes e jabutis infestam proposta. Urgência versus complexidade. “Equilíbrio intergeracional”?

A votação, no Senado Federal, da PEC Emergencial foi adiada desta quinta-feira, 25, para a semana que vem. Mas não é só a data que mudou. Há crescente movimento de senadores na direção de desidratar a proposta, podendo, no limite, resultar na aprovação de um auxílio emergencial sem as condicionantes pretendidas pelo governo na PEC.
 
Muita poeira será levantada na Praça dos Três Poderes até a votação, sendo certo que o texto da PEC ainda deve passar por uma fieira de alterações antes de ser dado como pronto. Apesar da insanidade de querer vincular a liberação de um auxílio emergencial, uma despesa restrita e temporária, a mudanças constitucionais amplas e permanentes, consta que o ministro Paulo Guedes, e seus subordinados, com o suporte de líderes do governo no Congresso, batalharão pela manutenção da PEC em sua versão original.
 
Essa versão original carrega em seu interior os obsessivos “DDD” que Guedes vem tentando emplacar sem sucesso desde o início do governo Bolsonaro. As bases das diversas PECs enviadas pelo ministro ao Congresso, com o objetivo de desonerar, desobrigar e desindexar o conjunto das despesas públicas, deixadas de lado pelos parlamentares, retornam agora numa “PEC do fim do mundo” fiscal.

Diante da coleção de jabutis e contrabandos que tomaram carona na proposta do governo para um auxílio emergencial de curto alcance e duração, não é muito fácil entender como Guedes achou que a PEC, mantida  praticamente do jeito como enviada pelo governo pelo relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), poderia ser aprovada em 48 horas. Mais difícil ainda é compreender como Guedes pode ter achado possível passar o trator sem negociar com o outro lado.
 
É uma troca tão disparatada essa que foi proposta por Guedes que nem é o caso de se pensar em chantagem. Seria como propor a alguém trocar sua casa pela comida do almoço apenas por uma semana. Não há dúvida de que ninguém aceitaria, se estivesse de posse de um mínimo de sua saúde mental. 
 
Para conceder uma renda básica de R$ 250 mensais, por não mais de quatro meses, para 30 milhões de pessoas, menos da metade dos beneficiados com o auxílio de 2020, ao custo total de R$ 30 bilhões, o ministro quer a revogação na prática, em plena pandemia, de direitos sociais inscritos na Constituição em vigor, incluindo a eliminação dos pisos mínimos de despesas para Saúde e Educação.
 
Além da revogação de direitos sociais, e de uma infinidade de gatilhos de contenção de gastos, quando a despesa pública alcançar certos limites, a PEC de Guedes quer fazer passar simplesmente um novo marco fiscal. Além de todas as regras de controle já existentes, ainda consta do texto a criação de uma nova âncora fiscal, com a fixação de metas para a dívida pública. A PEC, tudo considerado, objetiva promover uma ampla revisão constitucional, sem a convocação da devida assembleia constituinte.
 
É lícito imaginar que só mesmo o afã de aprovar suas obsessões fiscais tenha levado Guedes a pôr no mesmo balaio o tema urgente do auxílio emergencial e questões complexas, que exigiriam, pela própria natureza e em nome da transparência, discussões mais amplas e mais demoradas, incluindo audiências públicas com especialistas.
 
Também é possível levantar a hipótese de que a PEC contém um grupo de itens prontos para operar como “bodes na sala”, preparados para desviar a atenção e serem sacrificados para que passe alguma boiada. A eliminação dos pisos para Saúde e Educação é o principal desses possíveis “bodes”. A adoção de um condicionante para os direitos sociais pode ser a “boiada”.
 
De acordo com a PEC, os direitos sociais inscritos no artigo 6º da Constituição – a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados – passariam a depender do “direito” ao “equilíbrio fiscal intergeracional”. Sem exagero, é uma forma de revogá-los, na prática.
 
Não se sabe exatamente o que venha a ser esse conceito abstrato, que foi importado do texto da PEC do Pacto Federativo, nem como ele seria aplicado. Mas seja o que for, a verdade é que, quando direitos sociais passam a ser condicionados, deixam de ser direitos para se tornarem concessões, dependentes da decisão de alguém no governo a respeito da existência ou não de recursos suficientes.

*Por José Paulo Kupfer, jornalista, escreve colunas de análise da economia desde 1999 e já foi colunista da Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo.

*A opinião contida neste artigo é a do autor e não necessariamente exprime o posicionamento da DS Curitiba.

Fonte: Poder360

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