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"Estado mínimo? Para quem?", por Dão Real Pereira dos Santos

Para a imensa maioria da população, Estado mínimo significa não ter acesso a serviços
 
Sempre que escuto alguém defendendo a redução do Estado e a privatização das estatais e das políticas públicas, eu me pergunto: em que classe social essa pessoa está? No Brasil, a imensa maioria da população vive em condições absolutamente precárias. Antes da pandemia já tínhamos quase 60 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, e perto de 15 milhões abaixo da linha da extrema pobreza.
 
Como seria a vida destas pessoas com menos Estado? Talvez os defensores do Estado mínimo não estejam nestes grupos majoritários da população, mas sim, no seleto e privilegiado grupo dos 1% que concentram quase 30% de toda a renda nacional.
 
Por trás desta defesa da redução do Estado está sempre um discurso positivo de expectativa de aumento dos investimentos privados, de geração de empregos e de melhora generalizada das condições de vida da população. Esses foram os motivos utilizados publicamente para defender o congelamento dos gastos, em 2016, a reforma da Previdência, a reforma trabalhista e outras medidas voltadas para a redução do papel do Estado, e que, como todos percebem, só fez aprofundar a crise e aumentar a desigualdade e o desemprego.
 
Ao contrário do que dizem, não há exemplos na histórica que nos permita associar Estados mínimos com crescimento econômico e desenvolvimento social. Ao contrário, Estados desestruturados, que não atendem minimamente as necessidades da população nem as de infraestrutura, não são os preferidos para investimentos. A experiência internacional demonstra que o fortalecimento das estruturas do Estado sempre precedeu os períodos virtuosos de crescimento econômico nos países centrais.
 
Essa defesa insistente da redução do Estado e das privatizações das políticas públicas pode estar associada a outras justificativas, que nem sempre podem ser claramente expostas, pois seriam claramente rechaçadas pela sociedade. No final da década de 1970, o economista Celso Furtado já nos ensinava “que o desenvolvimento das forças produtivas não é uma condição necessária para ter acesso a produtos que são o fruto do desenvolvimento das forças produtivas em outros países”. Ou seja, para ele, a reprodução das formas de consumo poderia ser obtida para alguns, desde que com o aprofundamento da concentração da renda e da exclusão dos benefícios do desenvolvimento de uma boa parte da população, mantendo-se o país em situação de subdesenvolvimento. De fato, a redução do Estado pode ser apenas um meio para concretizar essa opção deliberada das classes dominantes por uma situação de subdesenvolvimento, mantendo a condição de uma economia primário-exportadora, desde que isso seja suficiente para lhes garantir um padrão de consumo semelhante aos países centrais.
 
A recente declaração dada pelo presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), economista Carlos von Doellinger (2021), defendendo a desindustrialização do país e a priorização dos setores do agronegócio, mineração e energia, é bastante reveladora e escancara um posicionamento que se afina, sem nenhuma dúvida, com a concepção de um Estado mínimo, o que, aliás, faz parte dos objetivos explícitos da área econômica do atual governo.
 
Para a imensa maioria da população, no entanto, Estado mínimo significa não ter acesso a serviços de saúde, não ter acesso à educação, não ter previdência social, não ter segurança, não ter emprego, consequências essas que já começam a aparecer, por exemplo, com o congelamento dos gastos públicos e com os cortes sistemáticos das políticas sociais.
 
A tendência de privatização das políticas públicas aparece, também, na proposta de introdução do princípio da subsidiariedade para a administração pública, por exemplo, prevista no texto da Reforma Administrativa apresentado pelo governo (PEC 32/2020), que significa que o serviço público passaria a operar de forma subsidiária ao mercado. De fato, o que está sendo proposto, sob a falsa motivação de melhorar a eficiência do serviço público, é uma ruptura com ideia de universalidade na prestação dos serviços essenciais, prevista na Constituição Federal, de 1988. A PEC 188/2019, no mesmo sentido, também apresenta uma pérola dessas, quando propõe, de forma discreta, longe dos holofotes, a subordinação dos direitos sociais, previstos nos Artigo 6º da Constituição Federal, ao equilíbrio fiscal.
 
Mas a quem se dirige a redução do Estado? É evidente que as políticas públicas, por um lado, significam a única garantia de acesso aos direitos para a imensa maioria da população, por outro, significam redução de espaço para o mercado. Imaginem se já tivéssemos conseguido implementar uma condição de educação pública de qualidade para todos, qual seria o atrativo das escolas particulares? Se já tivéssemos conseguido implementar um sistema de saúde pública de excelência para toda a população, o que seria dos planos de saúde? A disputa entre o Estado e o mercado sempre existirá, pois o fortalecimento do Estado implicará em perda de espaços e de lucros para o mercado. O inverso também é verdadeiro. Este conflito dos interesses é mais acentuado num ambiente em que as classes dominantes abdicam do desenvolvimento das forças produtivas do país, como alertava o grande professor Celso Furtado.
 
Essa disputa estava posta, de forma muito clara, nas discussões sobre a proposta de mudança da previdência social para um sistema de capitalização individual, pois um orçamento de quase 10% do PIB, que beneficia direta e indiretamente mais da metade da população brasileira, não é algo desprezível aos olhos do mercado financeiro. O ministro da economia, ao declarar, mais de uma vez, que a carga tributária ideal para o Brasil deveria ser em torno de 20% do PIB, sem dúvida, já não considerava a Previdência como um direito social a ser garantido pelo Estado. Talvez, nem mesmo a educação e a saúde estivessem em seus planos.
 
A armadilha do discurso da redução do Estado, no entanto, encontra-se na afirmação de que a culpa do déficit de qualidade de serviços públicos estaria no tamanho do Estado; de que, em um Estado reduzido, a população seria mais bem atendida; ou de que faltariam recursos para um serviço público melhor, porque os gastos com salários de seus servidores seriam muito altos, como se não fossem exatamente os servidores os executores dos serviços públicos. Mas também é importante perceber que os argumentos normalmente utilizados para justificar o desmonte do Estado são os próprios argumentos que justificariam o seu fortalecimento.
 
Assim, para enfrentar este movimento reducionista do Estado, precisamos compreender quais são seus verdadeiros objetivos e, principalmente, quem serão seus principais beneficiários. Afinal, o Estado mínimo seria bom para quem?
 
Por Dão Real Pereira dos Santos, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal e membro do coletivo Auditores Fiscais pela Democracia

*A opinião contida neste artigo é a do autor e não necessariamente exprime o posicionamento da DS Curitiba.

Fonte: Brasil de Fato RS

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