Notícias

Imagem

Pandemia reacende discussão sobre taxação de grandes fortunas

Países como Argentina e Bolívia aprovaram o tributo; crise provocada pela Covid-19 aumenta necessidade do imposto, dizem economistas

A crise econômica provocada pela pandemia no Brasil deve perdurar ao longo de todo o ano de 2021. As consequências mais preocupantes são o aumento do desemprego, o baixo crescimento e o aumento da extrema pobreza – que, sem o auxílio emergencial, pode atingir até 20 milhões de pessoas.
 
Economistas veem um cenário “trágico” e “terrível”, e a discussão sobre medidas emergenciais e estruturais continua a ganhar força, mesmo após o início da vacinação contra a Covid-19 no País.
 
As pautas tratam da extensão do auxílio emergencial, passam por uma reforma tributária progressiva que inclua a taxação de grandes fortunas e questionam a manutenção do teto de gastos com as regras atuais.
 
“A pandemia deixou evidente o tamanho da desigualdade, e isso é muito prejudicial. O Brasil precisa ter uma rede de reforço muito melhor do a que temos. Há um contigente enorme da população sem nenhum tipo de assistência, e que poderia se beneficiar da renda básica”, defende a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da School of Advanced International Studies da Johns Hopkins University. “Precisamos também repensar a questão tributária, pois temos poucos impostos diretos e muitos indiretos na base da pirâmide. Temos que passar para a base os impostos diretos, introduzir o imposto sobre patrimônio e acabar com a renúncia fiscal para lucros e dividendos.”
 
Na sua avaliação, a economia brasileira vai precisar de algum tipo de sustentação por um tempo prolongado.
 
“A completa falta de planejamento do governo federal vai nos dar um quadro muito ruim. Quando olhamos para o que ocorreu em 2020, ficou claro que o auxílio emergencial deu suporte às pessoas e à economia. Houve sustentação do consumo e, em alguma medida, da arrecadação. Fico espantada com a falta de capacidade do governo de ver a importância de uma política de estímulo”, diz. “O que conseguimos salvar da economia no ano passado estamos jogando fora a fundo perdido em 2021.”
 
O fim do auxílio emergencial, formalizado em dezembro, exige respostas rápidas. Embora economistas de várias matizes ideológicas recomendem a extensão do programa, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, descartam a possibilidade.
 
“A gente não aguenta continuar pagando o auxílio emergencial”, afirmou o presidente em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, da TV Band, na última semana.
 
A declaração foi acompanhada por uma justificativa. De acordo com Bolsonaro, os nove meses de pagamento do auxílio emergencial no ano passado não se deram com recursos em caixa, mas sim com endividamento, que foi de aproximadamente 700 bilhões de reais no período.
 
O presidente afirmou ainda que a taxa de juros da economia, que no governo dele chegou a 2% ao ano, pode voltar aumentar e que o pior que pode ocorrer é a volta da inflação.
 
Na avaliação de Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador da rede Plataforma Política e Social, a solução para manter o pagamento do auxílio pode vir da chamada taxação sobre grandes fortunas.
 
“O Brasil é lanterna global em tributação de renda e patrimônio. Do que arrecadamos em impostos, cerca de 20% vem de renda e patrimônio. Nos EUA, são 50%. Aqui o super rico não paga imposto de renda, pois há uma série de isenções”, avalia o economista. “Uma pessoa que ganha mais de 320 mil reais por mês tem 70% da renda livre de tributação, porque não tributamos lucros e dividendos.”
 
Fagnani é coordenador de um estudo – que é uma iniciativa de economistas e sindicatos de auditores fiscais, como ANFIP, SINDIFISCO E FENAFISCO – intitulado “Tributar os super ricos para reconstruir o Pais“.
 
No documento, os autores apontam propostas de leis tributárias que isentam os mais pobres e as pequenas empresas e incidem sobre as altas rendas e o grande patrimônio, onerando cerca de 0,3% dos mais ricos.
 
“O que já era necessidade antes da pandemia transformou-se em urgência”, afirma o presidente da Fenafisco, Charles Alcantara.
 
No Congresso, PSB, Rede, PCdoB, PT, PDT e PSOL apresentaram a proposta para substituir o texto de reforma tributária que está em discussão.
 
“Há três fatores que me deixam otimista. Primeiro, a desigualdade veio à tona e muitos economistas ortodoxos passaram a fazer críticas ao sistema tributário regressivo. Outro fator é que os seis partidos de oposição se uniram à proposta. Por fim, a eleição no Congresso. Os partidos colocam a reforma tributária progressiva como ponto de partida”, diz Fagnani.
 
Argentina e Bolívia saem na frente
 
Tributar os mais ricos foi uma das alternativas para se superar a crise em dois países vizinhos.
 
No fim de dezembro, o presidente da Bolívia, Luis Arce, promulgou um imposto sobre as fortunas superiores a 30 milhões de bolivianos, ou 4,3 milhões de dólares, que irá atingir 152 pessoas.
 
A lei estabelece porcentagens graduais para o pagamento da alíquota: 1,4% para pessoas com riqueza de 30 milhões a 40 milhões de bolivianos; 1,9%, de 40 milhões a 50 milhões; e 2,4% para fortunas maiores. O imposto será anual e permanente para todos que vivem na Bolívia, incluindo estrangeiros.
 
Pouco antes, a Argentina também aprovou um imposto sobre grandes fortunas, que atinge o 1% mais rico do país. O tributo será aplicado a argentinos com patrimônio acima de 2,3 milhões de dólares, em uma alíquota progressiva que vai de 2% a 5,5%, uma única vez.
 
De acordo com a Administração Federal de Receitas Públicas, o imposto será cobrado de cerca de 11.850 contribuintes e poderia gerar até 3,6 bilhões de dólares em arrecadação, equivalente a 0,7% do PIB argentino.

FMI recomenda

Em relatório publicado em outubro de 2020, o Fundo Monetário Internacional reforça a necessidade da tributação de pessoas mais ricas como uma das formas de arrecadação para custear os gastos da pandemia.
 
Segundo a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, a crise “as recuperações desiguais pioram significativamente as perspectivas para uma convergência global dos níveis de renda”.
 
“Embora instituir novas medidas do lado da receita possa ser difícil, os governos devem considerar aumentar impostos progressivos sobre indivíduos mais afluentes e aqueles relativamente menos afetados pela crise (incluindo aumento de taxas para faixas de renda mais altas, propriedades de luxo, ganhos de capital, e fortunas), bem como mudanças na tributação corporativa para garantir que empresas paguem impostos proporcionais”, diz o documento.
 
Não há como superar a crise, na avaliação de Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica, sem um programa de transferência de renda.
 
“As pessoas não têm renda. Não é só uma questão humanitária, é uma questão econômica. Pessoas com renda sustentam consumo e sustentam empresas e empregos”, afirma.
 
Como os colegas, o economista defende uma mudança no atual teto de gastos. “O governo poderia ter feito um decreto para estender por mais três ou quatro mês a calamidade pública. Poderia ser feita uma PEC que altere a regra fiscal”, acrescenta. “Com o teto de gastos é impossível se fazer um plano de distribuição de renda robusto.”
 

Fonte: Carta Capital

Categorias:

Comente esta notícia

código captcha
Desenvolvido por Agência Confraria

A Delegacia Sindical de Curitiba do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) utiliza alguns cookies de terceiros e está em conformidade com a LGPD (Lei nº 13.709/2018).

Saiba mais sobre o tratamento de dados feito pela DS Curitiba CLICANDO AQUI. Nessa página, você tem acesso às atualizações sobre proteção de dados no âmbito da DS Curitiba, bem como às íntegras de nossa Política de Privacidade e de nossa Política de Cookies.