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Qual o impacto da reforma tributária nas relações exteriores do Brasil?

Helcio Honda e Mario Sergio Telles falam sobre as atuais propostas em discussão no Congresso
 
O debate sobre a Reforma Tributária tem permeado o noticiário brasileiro por muitos anos. Governo após governo, vemos surgir propostas que indicariam para uma simplificação tributária, desoneração da cadeira produtiva, melhor distribuição da renda por uma tributação mais justa e uma série de jargões defendidos por especialistas das áreas econômicas e tributárias.
 
Mas por que este tema se mantém atual pelo menos desde a Constituição de 1988? Como o arcabouço tributário brasileiro influencia nas disputas de mercado no cenário internacional? E, principalmente, qual o impacto de uma possível Reforma sobre as relações exteriores do Brasil?
 
Para tentar responder estas e outras questões sobre os impactos da Reforma Tributária no relacionamento do país com o mundo, conversamos com Helcio Honda, diretor titular do Departamento Jurídico da FIESP e sócio fundador do Hondatar Advogados e, com o Mario Sergio Telles, economista, mestre em ciências econômicas e gerente de Políticas Fiscal e Tributária da CNI.
 
Com vasta experiência nos debates de tantas propostas de Reforma Tributária, os dois falaram sobre as atuais propostas em discussão no Congresso Nacional Brasileiro e ressaltaram a importância do profissional da área de Relações Institucionais nos debates deste tema.
 
“A participação dos profissionais de Relações Institucionais neste debate é fundamental, principalmente porque tudo ocorre dentro de uma discussão que se dá dentro do Congresso Nacional”, afirmou Honda.
 
“Por mais bagagem técnica-jurídica que você tenha, ela não é suficiente. Você precisa ter interlocução política, você precisa ter um contato com os parlamentares, então, essa interação é fundamental”, complementou.
 
A missão dos profissionais da área não será nada fácil. Com três projetos correndo paralelamente – a PEC 45/2019 e o PL 3887/2020 na Câmara dos Deputados; a PEC 110/2019 no Senado Federal – os entrevistados ainda encontraram diversos pontos que não estão sendo explorados pela Reforma, sobretudo relacionados à taxação da renda e a não inclusão do debate sobre a tributação do mundo digital. Para eles, o ponto central é dar maior competitividade à indústria nacional, eliminando o resíduo tributário ao longo da cadeia produtiva.
 
O relatório Competitividade Brasil 2019-2020, publicado recentemente pela CNI, mostra que o ambiente de negócios no Brasil melhorou nos últimos 10 anos, com redução da burocracia e mudanças na legislação trabalhista. Ainda assim, comparando o país com outras 17 economias com características similares às brasileiras, o Brasil aparece em 17º lugar, à frente apenas da Argentina.
 
Nesse contexto, Mario Sergio explorou situações em que poderíamos ter um IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) que desse maior competitividade a nossa economia, mas ponderou que qualquer proposta passa por intervenções políticas e adequações a realidades dos países locais onde esse imposto será implementado. Tudo isso destaca ainda mais a atuação do profissional de Relações Institucionais.
 
Em um bate-papo instrutivo e descontraído, Honda e Mario Sergio falaram sobre protecionismo, barreiras que trazem ineficiência para a indústria brasileira, ingresso do país na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e como precisamos superar o medo da transformação para encontrarmos um caminho tributário justo e eficiente para o Brasil. Boa leitura!
 
O que falta para que a Reforma Tributária saia do papel?
 
Helcio Honda – Basicamente, falta vontade política. Se o governo não comprar a ideia, será só mais um projeto de lei como muitos que já discutimos e que acabam virando só perca de tempo e trabalho.
 
Mario Sergio Telles – O governo só mandou a parte do projeto que ele tinha mais urgência. Ele anunciou aquela Reforma em 4 etapas, mas se ateve só a primeira, que cria o CBS (contribuição social sobre operações com bens e serviços), que unificaria PIS e Cofins. Quando a gente olha para a arrecadação do PIS e Cofins em relação ao PIB, ela vem caindo desde 2010, justamente porque a indústria – onde mais se arrecada estes tributos, junto com os serviços financeiros – não cresce desde o início da década. Hoje, a composição de crescimento do PIB está no setor agropecuário, que não paga quase tributo nenhum, e nos serviços, que também é pouco tributado.
 
Mais vocês concordam com este foco inicial das propostas que foram apresentadas até agora?
 
Helcio Honda – Se estamos falando de Reforma Tributária mesmo, ela deveria ter maior amplificação e não ser só sobre o consumo.
 
Mario Sergio Telles – Concordo, mas a Reforma do imposto de renda não pode estar nas PECs, porque deve ser feita por lei ordinária.
 
Helcio Honda – Com certeza! Quando digo que o imposto de renda deve entrar na Reforma, quero dizer que a questão da renda e o imposto de renda deveriam estar no debate mais amplo em torno da Reforma. O governo mandou o PL 3887, por exemplo. Deveria já ter um outro projeto paralelo, reformulando o imposto de renda. Tem diversas questões, como o ponto sobre o produtor rural, o imposto de renda corporativo – que é mega complexo e poderia ser bastante simplificado –, tem a questão da reformulação do uso dos prejuízos de base negativa… São vários projetos específicos sobre tributação da renda.
 
Mario Sergio Telles – Antes do Congresso paralisar completamente por causa da pandemia, o PL 2015/2019, do senador Otto Alencar e relatoria do Senador Cajuru, estava sendo muito discutido. Esse projeto estava na linha de reduzir a alíquota do imposto de renda, tributação do dividendo a 15%, mas só na pessoa física – dentro dos grupos econômicos não haveria tributação. Tentava também tributar aquela pessoa que está no Simples, mas não é uma empresa… Enfim, embora não tenha sido enviado pelo governo, esse projeto de lei estava avançando bem até a pandemia. Só agora estão retomando alguns debates, principalmente sobre a Reforma Tributária. Mas ainda muito devagar.
 
Além da questão da renda, vimos que o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, defendeu uma Reforma que simplifique o sistema tributário, com a criação do “Imposto sobre Valor Adicionado (IVA)”, tendo alíquota uniforme para todos os bens e serviços. Para ele, isso garante o melhor equilíbrio na distribuição da carga tributária, sem que setores da economia sejam privilegiados. O que ele quer dizer com este equilíbrio?
 
Mario Sergio Telles – Quando a gente olha para cada um dos grandes setores da economia – os quatro componentes do setor industrial (transformação, construção civil, extrativa mineral e serviços industriais), a atividade pública (que é basicamente saneamento e energia elétrica), o setor de serviços e agropecuária – e quanto cada um recolhe em tributos, vemos que a disparidade é enorme.
 
A indústria de transformação recolhe em torno de 46% do seu PIB, por exemplo. O setor de serviços fica em 20 e poucos por centro; construção civil, em torno de 17%; e agropecuária é 2%. A disparidade entre os grandes segmentos econômicos é grande. Hoje, o consumidor paga muito mais imposto em um produto industrial do que indo para a academia de ginástica.
 
Então, ele só vai consumir o produto industrial se estiver precisando muito. E tem outro lado, que para nós é muito importante, que está relacionado com o investimento. Ao tributar de forma diferente o valor adicionado, que é a remuneração dos fatores de produção, trabalho e capital, o sistema tributário também fala pro investidor: olha, se você quiser investir na indústria, pode até fazer, mas eu vou tributar muito mais a remuneração do seu capital, sua renda, do que se você investir em outro setor.
 
Por isso temos defendido a alíquota uniforme, para que todos os setores recolham de forma igual em cima do valor adicionado. Com a alíquota uniforme, o consumidor e o investidor podem escolher por suas preferências. Por isso, o básico do IVA no mundo, quando falamos de questões técnicas, recomenda-se uma alíquota única. As decisões que fogem disso é porque não se conseguiu viabilizar politicamente. Com essa maior neutralidade, você tende a ter uma alocação de recursos mais eficiente na economia.
 
Helcio Honda – O nosso principal problema, se eu fosse fazer uma lista para vocês, seria o ICMS. Esse é unanimidade e é a principal praga tributária que temos no Brasil. Então, quando ouço o Mário falando de alíquota única, isso soa como música angelical para meus ouvidos. Hoje, não conseguimos saber qual a alíquota de um produto, porque depende de onde você vai instalar esse produto. Cansei de tentar explicar isso para delegações estrangeiras, mas é complicado. Ainda temos o incentivo fiscal e a substituição tributária, que são dois vetores difíceis de calcular.
 
O investidor estrangeiro fica perdido, porque ele não consegue precificar nem parametrizar o produto. E isso porque nem estamos falando mais de arrecadação, mas de competitividade, de harmonização competitiva. O empresário brasileiro que passar incólume pelo ICMS, seguindo a lei, merece um prêmio, porque é muito complexo. Você precisa estar atento a 27 legislações diariamente. Esse é um ponto fundamental. Alguns produtos ficam altamente não competitivos, até mesmo se comparados com importados.
 
Pensando nessa questão do comércio internacional e competitividade, muito se fala de uma maior abertura do Brasil ao comércio internacional. Os projetos de Reforma Tributária ajudariam nesse sentido?
 
Helcio Honda – Seria fundamental o Brasil se abrir mais para o comércio internacional. Agora, se nem dentro de casa conseguimos nos organizar, como vamos fazer isso externamente? O sistema brasileiro não tem aderência aos padrões internacionais. Participamos do BEPS (Base Erosion and Profit Shiting) em alguns painéis, mas não temos voz. Se pensarmos o mundo digital então, que mudou estratosfericamente esse panorama… Nós já tínhamos dificuldades com as barreiras físicas, imagina com as cibernéticas, que transcendem qualquer barreira. Vai ser muito complexo. Mas nós temos uma grande incompetência em discutir esses assuntos, ele nem está incluído no debate. Quando formos implementar, já está ultrapassado.
 
Mario Sergio Telles – Eu queria ir por um outro caminho. Essa questão da abertura, deve ser tratada com cuidado. Até mesmo o ministro Paulo Guedes andou colocando que não pode colocar seu corredor para competir com alguém e amarrar um peso de cinco quilos em cada tornozelo dele. Tem um negócio no sistema tributário hoje que é chamado de resíduo, que é a cumulatividade dos tributos.
 
Por conta das regras de creditamento, a alíquota que chega na ponta não é a que está definida, por exemplo, no PIS/Cofins, que é de 9,25%. Na Indústria, o resíduo médio é de 3,9%. Então, a carga é a alíquota final mais os 3,9% do que ficam para trás. O importado chega ao Brasil zeradinho de tributos, paga o imposto de importação, que está em torno de 12%, na média no setor industrial. Se você somar o resíduo do PIS/Cofins, o resíduo do ICMS, o resíduo do ISS… em quanto isso vai chegar?
 
Então, aquela proteção de 12% para a indústria é, em grande parte, levada pelo sistema tributário só no resíduo. Isso sem contar os custos administrativos para calcular e pagar os tributos, os custos com o contencioso, administrativo e judiciário, que aqui são muito maiores do que lá fora, e os problemas de infraestrutura, de financiamento mais caro. E vão dizer que o Brasil é protecionista! Mas se a gente não resolver esses problemas todos é aquilo que o ministro disse, colocamos um peso no tornozelo e queremos competir juntos.
 
Vocês acham que o debate de ingresso do Brasil na OCDE e toda discussão sobre a abertura comercial do Brasil têm se distanciado da perspectiva da indústria brasileira, olhando para a alíquota de importação de forma simplista?
 
Mario Sergio Telles – O grande ponto não é ser protecionista. Você tem que dosar sua tarifa de importação de uma forma que você também não mate sua produção local. Retomando um pouco o que o Honda disse sobre o importado. O Brasil chegou a um ponto que a gente tem incentivo fiscal para a importação. Não conheço nenhum outro país do mundo que tenha incentivo fiscal para importação. Geralmente, dão o incentivo para os importados e fazem uma lista de exceção com todos os produtos que o estado produz. Santa Catarina e Espírito Santo eram exatamente assim. Ou seja, para o que o resto do Brasil produz, não estou nem aí. Veja como pensa nosso setor público.
 
Helcio Honda – Espírito Santo e Santa Catarina, que viviam das operações portuárias, queriam mais produtos importados. Agora você só tem esse incentivo por conta da carga tributária. Porque se você tivesse uma carga nacional baixa, você pode até ter incentivo ao importado, não tem problema, tudo se equalizaria. O problema é que nós temos uma carga alta, que não equaliza, e isso faz com que o importado ganhe competitividade.
 
Justamente porque ele não pega essas cargas residuais que estávamos falando antes. Nós fizemos um cálculo que a indústria gasta um faturamento e meio ao ano só para o compliance fiscal. Esse custo não tem no importado, isso não está na carga tributária. Não é só a carga tributária, mas uma série de vetores que você vai somando. Você quer correr uma corrida e dar um triciclo para um e uma BMW para o outro, não dá, você tem que comparar os iguais. Nós temos várias coisas que trazem um custo-Brasil muito alto.
 
Tendo em vista todos esses problemas apresentados, dos três projetos já apresentados, o que podemos dizer sobre o impacto deles nas relações exteriores do Brasil?
 
Mario Sergio Telles – O ponto número um, para nós, é a questão da cumulatividade e acabar com o resíduo tributário. Claro que também tem o aspecto da simplificação, para que as empresas gastem menos com o administrativo e com o cálculo dos tributos, mas o principal é acabar com a cumulatividade. A questão principal é dar maior competitividade para os produtos nacionais em relação ao importado, aqui dentro, mas também que nossas exportações saiam do país realmente sem tributos.
 
Hoje a gente exporta muito tributo, e muitas empresas não conseguem exportar por causa do sistema tributário. Não adianta você apenas fazer a CBS, que resolve o problema da cumulatividade do PIS/Cofins, só que mantém o ICMS e o ISS, que também são cumulativos. No caso da PEC 45 e da PEC 110, a questão da cumulatividade está mais bem equacionada, e o ganho no comércio internacional, seja nas exportações ou na concorrência com os importados dentro do Brasil, vai ser muito grande. Nesse aspecto, as PECs trariam um grande avanço.
 
Helcio Honda – Quanto mais disparidade interna você tiver, menos vai conseguir uniformizar. Olhando para a uniformização, a PEC 45 tem mais virtudes, porque trata de uma alíquota só. A PEC 110 já tem previsão de ter várias alíquotas e ter uma alíquota única é fundamental. De preferência, a mais baixa possível. Não entendo esse medo de perder arrecadação. Quanto mais simples o sistema, mais arrecadação você vai ter. Sempre foi assim. Nesse ponto, acho que a Reforma é favorece as relações internacionais do Brasil.
 
Está claro que a Reforma tem vários pontos que ainda precisariam ser trabalhados, aprimorados e até mesmo modificados. Mas, na opinião de vocês, caminho possível para uma Reforma?
 
Helcio Honda – Essa discussão é super importante. A gente precisa ter a coragem de não complicar ou, dizendo de outra forma, ter a coragem de simplificar. Temos que perder o medo de sermos competitivos. Parar de ficar sempre nos escudando em bandeiras ditas protecionistas, porque todo mundo se acostuma com aquilo que tem. O exemplo é o PIS/Cofins.
 
Quando saiu o não-cumulativo para 9,25%, PIS mais Cofins, saindo dos 3,65%, todos os setores queriam voltar para o cumulativo. Agora que foi para 9,25%, todos se acomodaram, e ninguém quer sair para qualquer outro sistema. Nós temos uma natureza péssima, porque temos medo: medo de ousar, medo de simplificar, medo de perder…. precisamos perder esse medo. Ou a gente faz alguma coisa pra valer, ou fica do jeito que está e indo pra pior, porque aí é sempre política protecionista.
 
Mario Sergio Telles – Pegando carona no que o Honda falou, o grande problema é realmente o medo, que atrapalha muito essa discussão. Temos visto vários estudos aqui – CECiF, IPEA, FGV… – ainda não vi um estudo que aponte para, se fizermos a Reforma Tributária, uma queda do PIB em 10% daqui há 10 anos. Todos os estudos, com metodologias diferentes, apontam que a Reforma Tributária vai trazer mais crescimento, mais emprego e maior geração de renda. A Reforma não é jogo de soma zero. Muitas vezes, parece que para um ganhar, o outro tem que perder. Como tem crescimento econômico, o jogo não é de soma zero, é um jogo de soma positiva. Além disso, e eu tenho dito isso muito, o objetivo final não é o crescimento econômico, é a melhoria da qualidade de vida que o crescimento traz. E os estudos mostram que a Reforma vai nos levar nessa direção. A mensagem é essa, precisamos perder o medo do novo, quando tudo mostra que é um novo muito melhor do que a gente tem.
 

 

Fonte: Jota

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