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DS Curitiba: “Desigualdade é uma escolha”

Governo omite sua responsabilidade com a população mais carente ao escolher adiar a discussão de uma verdadeira Reforma Tributária

De acordo com o coeficiente Gini, que mede a desigualdade no mundo, o Brasil ocupa a 7ª posição entre 20 países mais desiguais do mundo, perdendo apenas para países africanos, os mesmos que foram explorados até pouco tempo por aqueles considerados desenvolvidos. Aliás, a desigualdade brasileira tem muitas semelhanças com a africana, a começar pela exploração que seus povos sofreram e sofrem até hoje.

Somos um país também fundado a partir do racismo, uma vez que a utilização de mão de obra escrava tinha como premissa que os brancos eram melhores do que os negros e, por isso, não deveriam ter os mesmos direitos. Essa superioridade se manteve: os melhores salários são deles, enquanto que a maioria da população carcerária é de pretos e pardos. Nenhuma das 20 pessoas mais ricas do Brasil é negra. Isso não é coincidência.

Mas se em um dos muitos lados da desigualdade, temos a racial, do outro temos a de gênero. As mulheres recebem cerca de 38% a menos do que os homens e, mesmo sendo maioria no ensino superior, apenas uma pequena parcela ocupa cargos de chefia. Isso porque mulheres com família e filhos são frequentemente vistas como uma opção “não tão boa” para o mercado de trabalho, já que nesses casos, os afazeres domésticos podem tomar muito tempo e energia. Entretanto, esses não são os únicos indicativos de desigualdade de gênero na nossa sociedade. Impostos também podem evidenciá-la, como é o caso do “Pink Tax” (ou imposto rosa) que faz com que mulheres paguem mais do que os homens por produtos similares, apenas pelo fato de serem produtos femininos.

Essas duas questões - racismo e gênero - fazem parte de um amplo guarda-chuva de desigualdades que assolam o Brasil. Podemos adicionar ainda a elas, a desigualdade social, que é reflexo de uma economia que concentra renda e que não oferece suporte adequado aos mais pobres. É o que estamos vendo neste momento, em que durante uma pandemia e sem liderança política, milhares de pessoas estão morrendo. Milhares de pobres estão morrendo.

Em reportagem da BBC Brasil, a doutora em saúde pública pela Universidade Federal da Bahia e pesquisadora do Cidacs/Fiocruz, Emanuelle Góes, elenca alguns motivos para a alta mortalidade de pobres e negros. “O que a pandemia tem evidenciado é o que vários estudos já mostravam em relação ao maior prejuízo da população pobre e negra ao acesso da saúde. A Covid-19 encontra um terreno favorável porque essas pessoas estão em um cenário de desigualdade de saúde e de precarização da vida”, afirma Emanuelle.

Hoje nos perguntamos "por que a Covid mata mais as pessoas negras e pobres no Brasil", mas a realidade é que, independente de coronavírus, devíamos nos perguntar "por que morrem mais pessoas negras e pobres no Brasil?". E a resposta é fácil: acesso escasso a serviços de saúde, condições de vida insalubres, ausência de saneamento básico, desnutrição, falta de recursos... Para essas pessoas não existe a possibilidade de escolher entre o home office e o distanciamento social. Sair de casa também é questão de sobrevivência, porque é a única maneira de garantirem a renda para lutar contra a fome.

A desigualdade social alimenta as mortes no Brasil, não só por coronavírus. E várias práticas do Governo, especialmente após 2016, com Michel Temer a Jair Bolsonaro, reforçaram essa desigualdade. A PEC do Teto dos Gastos foi um exemplo disso, pois, ao congelar os gastos públicos, dificultou o acesso da população mais carente à saúde e à educação, por exemplo. Desde então, cada vez mais o SUS tem sofrido com o sucateamento do sistema. E agora, mesmo durante a pandemia, o Ministério da Saúde não chegou a gastar ? dos recursos disponíveis para o combate à doença.

Um possível caminho para reduzir essa situação dramática é uma alteração em um dos principais causadores de desigualdade em nosso país: a tributação. A própria Constituição Federal aponta a inconstitucionalidade do sistema tributário brasileiro, quando indica que é dever do Estado reduzir desigualdades. Diz também que é dever do Estado regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), mas não há vontade política. A Reforma Tributária pode tanto ajudar no combate quanto aprofundar o problema; isso depende exclusivamente do lado para qual o interesse dos parlamentares irá recair.

A boa notícia é que entidades envolvidas com a redução das desigualdades como a Oxfam Brasil e a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), já se mobilizam no sentido de transformar essa realidade e entraram com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no SFT, ação que questiona o modelo tributário brasileiro como fator que aprofunda as desigualdades.

Propostas que erroneamente são chamadas de Reforma Tributária tramitam no Congresso, mas estas apenas buscam simplificar o sistema, sem de fato reduzir desigualdades. A unificação de impostos, como propõe a PEC 45, é a perda de uma oportunidade para se promover justiça fiscal, taxar quem tem mais e promover um sistema de crescimento sustentável, como pretende a economia verde, por exemplo. Ao mesmo tempo em que é necessário cuidar do meio ambiente e garantir condições de vida futura, é imprescindível promover ações que reduzam o desmatamento e que freiem a emissão de gases nocivos na atmosfera.

Uma tributação adequada pode ser o caminho: diversos ambientalistas já sugeriram um imposto sobre carbono, que taxaria as empresas com grandes emissões de gases, aumentando a arrecadação, enquanto que a medida proporciona desenvolvimento tecnológico. De acordo com a gestora de projetos e produtos do Instituto Escolhas, Jaqueline Ferreira, em live do Congresso em Foco, o imposto poderia gerar R$ 17 bilhões em arrecadação, mas o Congresso não tem demonstrado interesse na proposta.

A PEC 45 tem potencial, inclusive, para aprofundar a desigualdade, uma vez que pretende acabar com a seletividade tributária, que garante alíquotas menores para produtos de extrema necessidade. Se o modelo atual é baseado no consumo e não na renda, com a medida o próprio consumo seria prejudicado, já que a população pobre proporcionalmente gasta mais com itens essenciais.

Acreditamos que, em um momento de crise como o que passamos, é necessário cada um dar o que tem. Quem tem mais contribui com mais, ao passo que os representantes políticos deveriam produzir mudanças reais e significativas no nosso modelo tributário, a começar pelo respeito ao texto constitucional.
 

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