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Seis partidos se unem em contraproposta de reforma tributária

No Brasil, a renda é tributada em 21%, enquanto nos países da OCDE, a média é de 34,1%. Proposta enfrenta a injustiça do sistema
 
Dispostos a sair das cordas, enfrentar os mais céticos e criar um fato político, seis partidos de oposição ao governo Bolsonaro chegaram a um consenso e formularam uma proposta conjunta de reforma tributária, lançada na terça-feira 8 na Câmara dos Deputados. Apresentada como emenda substitutiva global à PEC 45 em tramitação, de autoria do deputado Baleia Rossi e que toma por base estudos do economista Bernard Appy, a proposição mostra, segundo o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp, ser “tecnicamente possível quase duplicar o atual patamar de receitas da tributação da renda, patrimônio e transações financeiras, de 472 bilhões de reais para 830 bilhões, um incremento de 357 bilhões, e reduzir a tributação sobre bens e serviços e sobre a folha de pagamento em 310 bilhões, mantendo-se inalterada a carga tributária total”. Diretor da Plataforma Política Social, Fagnani coordenou ao lado de Décio Lopes, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, e Charles Alcântara, presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, o diagnóstico do sistema tributário do País e a elaboração de proposições por mais de 40 técnicos, economistas, auditores, tributaristas e outros especialistas, em trabalho iniciado em 2017.
 
O PCdoB, Rede Sustentabilidade, PSB, PT, PDT e PSOL aproveitam o espaço criado pela ausência de uma alternativa formulada pelo governo e ainda pelo fato de tanto a PEC 45 como a PEC 110, em discussão no Senado e que tem como relator o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, se limitarem à racionalização do sistema tributário vigente, de interesse do conjunto da sociedade. As propostas de emenda extinguem tributos federais e estaduais e instituem um Imposto Sobre Bens e Serviços, o IBS. Este passaria a ser o principal tributo sobre consumo. Às empresas seria permitido deduzir os gastos com insumos e a cobrança seria feita no estado de destino.
 
As duas PEC são omissas, entretanto, quanto às distorções provocadas pela concentração da arrecadação nos impostos e tributos sobre a renda e o consumo dos mais pobres e da classe média, enquanto os abastados recolhem com base em alíquotas irrisórias sobre a renda e o patrimônio, quando não ficam isentos. Os problemas de distribuição de renda talvez se agravem se for acolhida a alternativa apontada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de uma alíquota adicional no imposto sobre consumo para viabilizar a desoneração pretendida da folha de pagamentos.
 
Tributa-se a renda em apenas 21% no Brasil. Nos países da OCDE, a média é de 34,1%
 
Nos países da OCDE, o clube dos ricos, tomados como referência pelos partidos de oposição, a tributação média é de 34,1% sobre a renda e de 32,4% no consumo, enquanto no Brasil é de 21% sobre a renda e de 49,7% sobre o consumo, sublinha Fagnani. A alíquota máxima do Imposto de Renda, na média dos países da OCDE, é de 41%. No Brasil, o teto não passa de 27,5%. A injustiça fica ainda mais evidente quando se considera que, no País, para as faixas de renda total declarada superiores a 240 salários mínimos mensais, aproximadamente 70% dos rendimentos correspondem à parcela isenta e não tributável. Na nova tabela de alíquotas progressivas do Imposto de Renda contida no projeto da oposição, 38,55% dos declarantes ficariam isentos, 48,7% seriam desonerados, 10,02% manteriam a alíquota atual e 2,73%, o correspondente a cerca de 750 mil contribuintes dentre 30,6 milhões, passariam a pagar mais.
 
Sistema nitidamente injusto
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, saudou a iniciativa da oposição: “O sistema tributário é nitidamente injusto. Estamos tributando a renda a menos, e o consumo a mais. O atual sistema tributário atende mais aos interesses individuais do que coletivos. Precisamos de uma reforma tributária que contemple mais os interesses coletivos”, disse o deputado durante o evento, que contou ainda com a participação do relator da PEC 45, Aguinaldo Ribeiro, do PP. “Precisamos ter a coragem de aproveitar a reforma tributária não só para discutir a simplificação, mas, principalmente, a regressividade. Não podemos continuar com um sistema absurdamente regressivo que cobra muito imposto dos mais pobres e alivia os mais ricos. Isso não é sustentável para país nenhum no mundo”, declarou Marcelo Ramos, do PR.
 
Segundo a deputada Jandira Feghali, do PCdoB, que apresentou a emenda substitutiva, trata-se de “uma proposta unitária do campo da oposição para o Brasil, construída a muitas mãos e que abrange um conjunto de ideias e conhecimentos que vão desde o olhar social, o ambiental, da seguridade, do emprego, do mundo do trabalho e também da ótica com que o mundo inteiro trabalha hoje, que é a progressividade dos tributos”. Além disso, prossegue a parlamentar, “temos uma preocupação com a federação e, portanto, com a distribuição para os estados e os municípios dos recursos que não podem ficar concentrados apenas na União”. O registro da emenda exige ao menos 171 assinaturas, mas na segunda-feira 7 o deputado Afonso Florence, do PT, contabilizava 204 parlamentares subscritos.
 
 
O governador do Maranhão, Flávio Dino, afirmou a CartaCapital que há uma inquietude, mesmo nos círculos econômicos mais privilegiados, com o modelo destrutivo de estruturação da sociedade. “Então, como a nossa proposta é técnica e está baseada numa racionalidade de justiça social de uma sociedade menos desigual e mais coesionada, imagino que os interesses de uma sociedade assim transcendem o campo da esquerda. Por isso acredito que é possível ampliar o apoio político e social a essa proposição”, completou. Os governos de todos os estados do Nordeste apoiam o projeto dos partidos de oposição.
 
A herança tributária maldita, inclemente com a população de menor renda e leniente em relação aos abastados, inclui a Lei nº 9.249/95, do governo FHC, que estabelece isenção das rendas de lucros e dividendos recebidas pelos sócios e acionistas de empresas e a previsão legal para a distribuição de lucros ou dividendos com tributação reduzida sob a forma de “juros sobre o capital próprio”. A lei abriu as portas para a violação da isonomia entre quem recebe rendimentos do trabalho e aqueles que auferem ganhos do capital. Apenas os proventos provenientes do trabalho são submetidos à tabela progressiva do imposto. Acrescente-se que os rendimentos recebidos pelos trabalhadores e profissionais liberais que operam na condição de pessoas jurídicas, os chamados “pejotizados”, também são isentos do IRPF. Para muitos, esta é a principal distorção do sistema tributário brasileiro e a causa mais importante da baixa participação da tributação sobre a renda na arrecadação total. O legado tucano tornou o Brasil uma exceção tributária mundial, a rivalizar apenas com a Estônia.
 
No seu diagnóstico, os autores da proposta de reforma tributária da oposição abordaram o grave problema da sonegação provocada pelas remessas de recursos para os chamados paraísos fiscais. O problema não é contemplado pela PEC, mas nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias e em leis complementares.
 
Maior simplicidade no que se refere à questão federativa é um dos atrativos da reforma proposta pela oposição, sugere esta análise de Charles Alcântara, presidente da Fenafisco: “As duas PECs não garantem a autonomia dos estados e municípios, porque criam o IVA em substituição a tributos federais, estaduais e municipais. Para definir como esses recursos serão distribuídos, a PEC 45 prevê um comitê gestor integrado pela União, estados e municípios. Os estados e os municípios não aceitam isso porque nessa negociação, historicamente, a União ganha. A PEC 110 é ainda mais estapafúrdia nesse aspecto, pois, para a distribuição dos recursos, se cria um superfisco incluindo União, estados e municípios, o que não faz sentido do ponto de vista administrativo. A proposta da oposição é mais simples, cria um IVA, de competência e responsabilidade do estado que arrecada o recurso, fiscaliza, e destina uma parcela desse IVA aos municípios, em substituição ao ISS. Na esfera do governo federal, criamos uma Contribuição Social sobre o Valor Adicionado, CSVA, um porcentual do IVA e que vai para a União, que o administra e compensa em parte a perda de receitas decorrentes da extinção da Cofins e do PIS. Essa contribuição será de responsabilidade da União, assim como ela administra hoje o PIS e a Cofins e esses recursos vão para financiar a seguridade social. Esse é outro diferencial do nosso projeto. Eles fazem uma simplificação, mas extinguem contribuições sociais vinculadas à seguridade social. Nós, ao contrário, extinguimos aquelas que são mais regressivas por incidirem sobre o consumo, mas criamos outras que incidem sobre renda e patrimônio de forma a fazer com que a União também não perca recursos e financie a seguridade social”.
 
Padrão destrutivo da estrutura social
O risco de complicações na chamada questão federativa nas PECs da Câmara e do Senado é antevisto até mesmo entre proponentes de reformas que se limitam à busca de uma maior racionalização e sistematização da estrutura tributária, a exemplo do trabalho coordenado pelo ex-presidente do BNDES e fundador do Instituto Atlântico, Paulo Rabello de Castro, e entregue a Guedes. Os textos em discussão na Câmara e no Senado, diz, não resolvem o problema tributário, pois não apresentam “nem mais simplificação, nem mais desoneração, nem mais competição”, segundo declarou ao jornal Gazeta do Povo.
 
Há outros questionamentos. Na terça-feira 8, os secretários estaduais de finanças defenderam uma melhora do modelo do ISS, que representa cerca de 43% da arrecadação dos municípios e do ICMS, sem extingui-los, como pretendem as propostas em discussão no Congresso.
 
Espaço para debater a alternativa da oposição existe, mostram não só as contradições internas às propostas 45 e 110 como as dificuldades do governo em formular a sua própria proposta em meio ao derretimento do PSL e à crise da Operação Lava Jato, o grande cabo eleitoral de Bolsonaro. Fagnani vê na iniciativa oposicionista “uma oportunidade extraordinária para recolocar o tema da desigualdade no debate nacional”. Hoje, essa temática, diz, tem sido capturada pelo economista Arminio Fraga, que assessora o Luciano Huck, candidato a candidato à Presidência da República. “Vamos perder o tema da desigualdade para Luciano Huck?”, pergunta Fagnani. “A questão central é essa. Não conseguiu aprovar? Não tem problema, a proposta fica como uma bússola para o futuro. A história não termina aí.”
 

Fonte: Carta Capital

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