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No Brasil, ensina-se que competência delegável é como vaso sanitário!

Abstract: O Brasil é um país do macete! Falo, hoje, do imaginário jurídico que se estabeleceu no país, mas também de outras coisas, como da ação penal fast food.
 
Macetes; coleção memorex; “vou estar apresentando”, diz um professor (vou estar é demais!); competência da União é ensinado como sendo um capacete de PM – Comercial, Agrário, Penitenciário... Entenderam? isso tudo dá capacete de PM. Há um post de uma professora, que de saída já teve 2.977 curtidas, dizendo o seguinte (sentem-se e leiam):
 
MACETE – Competência Privativa: nesse caso, você vai lembrar da sua privada (vaso sanitário), você tem o seu, mas quem vem na sua casa também usa. Logo, trata-se de competência delegável. Competência Exclusiva: o “E” de exclusiva, combina com “E” de sua escova de dentes, você tem a sua e ninguém mais usa. Logo, trata-se de competência indelegável.
 
Prêmio Ignóbil. Vamos todos para Estocolmo. Além do bizarro, do patético, observe-se que o çábio (ou a çábia) separou sujeito e verbo. Sim. Separa sujeito e verbo e quer ensinar Direito. Há que estocar comida ou não? E coisas desse tipo estão multiplicadas nas redes, como o sujeito que escreveu o livro Seja Foda em Direito Constitucional. Sem contar com o PUTEFO, de que falei aqui. São milhares de seguidores desse tipo de coisa nas redes. Bom, basta ver os deputados que se elegeram e que são campeões de votos. Produto da neocaverna. O WhatsApp e as redes. Deve ser por isso que a terra é plana, pois não?
 
Registro: Deus fez uma PEC e alterou o estatuto do purgatório. Agora o juízo final será feito por Ele a partir do exame do WhatsApp de cada um. Uma olhadinha e Deus manda para o inferno. Mas quem for contra a presunção da inocência não terá direito a efeito suspensivo no recurso. Golaço de Deus.
 
Sigo: Onde foi que erramos? Pois é. Ninguém se operaria com um médico que tivesse estudado com memorizações e macetes desse tipo, ou que tivesse estudado operação cardíaca em um livro chamado Operação Cardíaca Facilitada ou quejandos. Resumos, resumões, eis o resumo do fracasso do Direito, que se vê todos os dias perfectibilizado, sob o aplauso de grande parcela da comunidade jurídica.
 
Por isso, não surpreende que tenhamos sentenças que digam coisas como
 
“Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”.
 
Bem, não esqueçamos que até há poucos anos parte da doutrina penal defendia a tese de que  
 
sempre que a mulher não consentir na conjunção carnal e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa” (eu grifei).
 
Pior: há sítios na internet que ainda reproduzem isso, hoje (ver aqui). Pois é. E não se dão conta de duas “coisinhas” (“em princípio” e “desde que ela...”). Insisto: ninguém nasce de chocadeira no Direito.
 
Concursos quiz shows dão nisso. Concursos quiz shows demandam faculdades, cursos e cursinhos que treinam as multidões (que depois serão defensores, juízes, promotores, etc.) a passar em concursos. Basta ver o que foi perguntado no concurso (anulado) para MP do RS (ver aqui).
 
Concursos quiz shows fazem perguntas sobre a teoria da graxa, sobre decretos de regulamentação de terras indígenas, sobre aluvião, enfiteuse e múltiplas escolhas que deixam qualquer cristão extremamente confuso, acertando por sorte ou eliminação. E la nave va. Não surpreende, também, que o novo governo apoie o fim do exame da OAB, conforme projeto apoiado por deputado por sua base (parece que a esposa do deputado chumbou em 3 certames). Assim, parcela considerável dos fracassados quer resolver o problema extinguindo o exame de ordem. “Jenial”, não? Tem de ver os comentários nas redes apoiando o fim do exame da OAB. Críveis. Sim, bem críveis.
 
Há coisas e gestos que simbolizam (Castoriadis) a crise, como o caso da professora que, não faz muito, ensinou aos seus alunos-concurseiros que emenda constitucional é como silicone (leiam esta coluna no link; ela trata também do professor que deu “dicas” sobre Dworkin – imperdível). De onde sai tanta criatividade? Temos até sushi jurídico. E ECA ensinado por funk. Isso sem falar do mascarado e seus macetes, falando de Ferrajoli (claro, por isso é que um grupo de promotores espalhou que garantismo vinha de marxismo... Acreditaram nos macetes do professor mascarado; nada surpreendente, depois que um deputado “lecionou” nas redes que Marx mudou de ideia sobre não sei que assunto durante a primeira guerra mundial...!). Bom, consta que uma importante professora disse em um programa de rádio que Simon Bolívar se inspirou em Marx. Claro. Na mosca. O Brasil é do macete!
 
Como vamos nos surpreender quando a doutrina, em grande parte, apoia coisas como verdade real (há até teses doutorais defendendo isso), e sufraga a tese de que o Direito é o que os tribunais dizem que é, sendo que os tribunais superiores estabelecem teses para moldar as decisões no futuro, quando, cientificamente, sabe-se que um precedente é o contrário disso? E o que a comunidade jurídica diz disso tudo?
 
No mais, basta ver a lista dos 100 livros mais vendidos ano a ano no mundo jurídico. Resumos, vade mecums, facilitados, etc., estão todos no topo. Ali se vê de tudo. Menos textos epistêmicos que abordam com profundidade a complexidade do Direito. A simplificação é a regra. Bom mesmo é o macete. A esperteza. Um conceito standard.
 
É espantoso ver nos aviões gente que vai fazer concurso e constatar a literatura que carregam. Como também é espantoso que um professor de Direito da USP (sim, de Direito!) defenda, por escrito e em sala, a ditadura, além de dizer que pobres são eterna minoria de submundo que se recusa a trabalhar, a esquerda é composta por energúmenos e que LGBTs são aberrações, além de tarados e taradas. É, de fato, ninguém é filho de chocadeira nesse país. Ele tem alunos. E o Estado paga seu salário.
 
Claro que nem tudo é assim. O problema é que o “sistema” de justiça não consegue separar o joio do trigo. E nem o sistema educacional consegue separar o joio do trigo. E o joio prolifera, como recente decisão de tribunal estadual que diz que
 
“a prisão temporária, medida cautelar voltada à tutela das investigações policiais, não traz, como requisito a sua decretação, a presença de indícios suficientes de autoria delitiva”.
 
Bom, de novo, ninguém é filho de chocadeira. De algum lugar as pessoas tiram isso. Tenho dito e escrito que vivemos aquilo que A. MacIntyre chamou de Know-Nothing (Saber Nenhum). E o culpado disso, diz bem o escocês, é uma coisa chamada emotivismo. Ele não é jurista. Eu acrescento, para auxiliar: o emotivismo (opinionismo) jurídico derrotou o Direito. Derrotou a Constituição. Emotivizaram o critério.
 
Um grande amigo meu, em um grupo de WhatsApp, admoestou-me: não se deve fazer uma crítica dura assim, porque o Judiciário (e o MP) não é assim. Respondi: sim, tem toda a razão. O Poder Judiciário e o MP não são assim. Óbvio. O problema é que eles (o MP e Poder Judiciário) também são assim. O ponto está na dimensão da palavra “também”. Ou seja, o judiciário também é aquele que proíbe carnaval fazendo escolha política; também é o que concede 180 dias de licença para pai de gêmeos; também é o que decreta preventiva em sede de habeas corpus; também é o que nega embargos declaratórios todos os dias com base em argumentos como livre convencimento e o de que não precisa enfrentar todos os argumentos; também é a desembargadora que troca a Constituição pela Escola Sem Partido...e assim por diante. O “também” é que o busílis da coisa.
 
Post scriptum 1: A criminalização da homofobia e a presunção da inocência: dois projetos iluministas?
 
Tenho sido cobrado para me pronunciar sobre a decisão, ainda não definitiva, do caso da homofobia (assim denominado). O julgamento ainda não terminou. Mas digo que fui o primeiro a me posicionar, juntamente com Clemerson Clève, Jacinto Coutinho, Flavio Pansieri e Ingo Sarlet, todos democratas da cepa e comprometidos com os direitos fundamentais e garantias constitucionais (aqui). O texto é uma crítica à posição da PGR em parecer junto ao STF. Texto a dez mãos. Portanto, não vou comentar o voto de Celso de Mello e dos demais. Depois de concluído, talvez retorne ao tema. Mientras, se eu ainda fosse promotor, estaria pensando como elaborar uma denúncia criminal com base na decisão. Seria algo como “assim agindo, fulano violou o crime de racismo entendido conforme o acórdão do STF nas ações tal e tal”? Ou “fulano violou o disposto no acórdão tal”? A dúvida não tem nada de ironia. É muito séria.
 
De todo modo, proponho um “negócio epistêmico-jurídico”: quero que o vice-procurador-geral da República que fez sustentação oral vibrante e os ministros que já votaram usem da mesma verve e do mesmo iluminismo no dia 10 de abril de 2019, quando estará na pauta uma coisa mais clara, mais explícita que a criminalização do discurso homofóbico. Falo da presunção da inocência, cujos limites semânticos não exigem nem mesmo dez páginas das centenas que parecem necessárias para o julgamento do caso da homofobia. Mais: a presunção da inocência não é para prender; é para garantir que inocentes não sejam presos antes do trânsito em julgado. Simples assim.
 
Destarte, valendo o iluminismo professado no parecer do MP e nos votos nesse caso, parece que as perspectivas quanto ao resultado das ADCs 44 e 54 são alvissareiras. O STF não será contraditório em seu iluminismo. Ponho-me tranquilo, pois. A ver.
 
Post scriptum 2 – Uma ação penal em uma hora: a criança jogada fora com a água suja
 
Jactam-se no seio de parte da comunidade jurídica de que, em Santa Catarina, uma ação penal foi iniciada e concluída no espaço de apenas 60 minutos. Tratava-se de crime de porte ilegal de arma. O advogado colaborou e abriu mão de prazos e quejandos. Incrível. Deve ser o “princípio da colaboração processual-penal” ad hoc. Tudo em acordo, o réu foi condenado a 1 ano e tal de prisão em regime aberto. Dizer o quê? A água do processo penal pode estar suja, mas, por favor, devemos atirar a criança junto?
 
No caso, por que a defesa não tentou teses absolutórias? Há casos Brasil afora que apontam para isso. Os laudos periciais estavam todos de acordo com o CPP? Forma dat esse rei, eis o lema do processo penal. Há uma interessante tese de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto para ser usada (como procurador de Justiça, usei a favor de réus). Além de outras teses. Mas parece que o advogado concordou logo com a condenação. Uma vez anulamos (5ª Câmara Criminal TJ-RS), com parecer meu, um caso em que o réu negou o furto de um guarda-chuva e... o advogado confessou por ele.
 
Portanto, há que se cuidar quando se quer entrar para a história ou no livro dos recordes. Guinness book jurídico. Pode gerar o começo do fim das garantias. Afinal, se sem plea bargain já é assim, o que virá por aí? Esse Brasil... Sempre buscando atalhos. Se os médicos saíssem operando sem antes fazerem estudos aprofundados ou se a indústria farmacêutica vendesse remédios sem testar com cuidado, nossa saúde estaria lascada. Já a nossa liberdade...
 
 
Fonte: ConJur

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