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Articulação entre CADE e TCU no combate a fraudes à licitação

Impressões a partir do acordo de cooperação técnica
 
Cooperação entre CADE e TCU
As atividades de controle da Administração Pública passaram a ocupar posição de destaque nos últimos anos, muito em razão dos desdobramentos de investigações no combate à corrupção e fraudes em procedimentos licitatórios públicos. A interação entre Poder Público e iniciativa privada é, agora, objeto de escrutínio mais atento dos órgãos de controle e a transparência passou a ser a regra em tais relações. Nesse cenário, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e o Tribunal de Contas da União (TCU) são atores de grande relevância, principalmente por atuarem exatamente na intersecção entre o público e o privado.
 
O terreno das licitações públicas é particularmente fértil para se compreender quão necessária é a integração entre ambas as autoridades para o combate à corrupção em contratações levadas a cabo pelo Governo Federal. O TCU tem como mandato legal a fiscalização de atos e contratos praticados por aqueles sujeitos à sua jurisdição (art. 41 da Lei n. 8.443/1992), enquanto o CADE é competente para investigar infrações à ordem econômica, notadamente aquelas que prejudicam a livre concorrência.
 
Acordos colusivos entre licitantes podem ser vistos como o principal exemplo de situação que dá ensejo a participação dos dois órgãos no combate à corrupção e fraudes nos procedimentos licitatórios da Administração Pública. Assim, buscando maior eficiência na detecção de práticas anticompetitivas em licitações públicas, o TCU e o CADE celebraram, no último dia 27 de dezembro, Acordo de Cooperação Técnica (“ACT”)[1].
 
O ACT tem como objetivo “estabelecer cooperação entre o TCU e o CADE no sentido do compartilhamento de tecnologias voltadas à detecção de práticas anticompetitivas em licitações públicas, bem como para realizar treinamentos, ações conjuntas e intercâmbio de informações e conhecimentos”. Além disso, a cooperação prevê o encaminhamento de documentos e materiais aos órgãos competentes, para subsidiar o tratamento do assunto no âmbito da competência de cada um deles.
 
A assinatura do ACT com o TCU vem na linha das atividades de cooperação buscadas pelo CADE nos últimos anos. Somente em 2018, foram assinados relevantes convênios e memorandos entre o CADE e outros órgãos da Administração Pública, tais como o Banco Central do Brasil, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), além dos convênios celebrados com os Ministérios Públicos de diversos estados.
 
O ACT em questão possui, entretanto, importância particular. Em que pese as competências de CADE e TCU teoricamente não se confundirem – pois o objeto de investigação de cada um dos órgãos é diferente – a integração entre os órgãos se tornou indispensável, como evidenciado pela Operação Lava-Jato. Os cartéis em licitações públicas promoviam não somente a frustração da competitividade do certame (art. 36, §3º, I, (d), da Lei n. 12.529/2011), como também fraude à licitação (art. 46 da Lei nº 8.443/1992). Portanto, ambos os órgãos acabam compartilhando espaços de atuação no exercício de suas competências.
 
Dessa forma, diversas investigações foram instauradas no âmbito do CADE e do TCU, não raramente a partir de acordos de leniência celebrados por integrantes dos cartéis. Dúvidas passaram a surgir acerca da possibilidade de utilização de provas apresentadas originalmente na investigação de outro órgão, mas com o mesmo escopo e relativo aos mesmos fatos. Além disso, dúvidas procedimentais sobre a negociação simultânea de acordos de leniência no âmbito desses órgãos também passaram a surgir e ainda deverão ser esclarecidas por tais órgãos.
 
A corrupção é comumente definida na literatura como um exemplo claro de problema principal-agente. Entretanto, Lindsey D. Carson e Mariana Mota Prado[2], seguindo a literatura mais recente no tocante ao assunto, propõem uma nova forma de entender o fenômeno da corrupção, principalmente em locais onde se pode definir a corrupção como sistêmica. Dessa forma, a corrupção seria um problema de ação coletiva, e não somente principal-agente: o indivíduo teria mais incentivos para se corromper à medida que o número de agentes corruptos aumenta. Frente a isso, a multiplicidade de órgãos competentes teria o condão de promover maior repressão à corrupção, ao aumentar a probabilidade de se identificar e sancionar comportamentos corruptos.
 
Todavia, com a multiplicidade de “guichês”, os eventuais lenientes se viam com menos segurança jurídica para celebração de acordos. Recentemente, o ministro Bruno Dantas criticou, inclusive, acordos de leniência assinados exclusivamente pelo Ministério Público Federal[3] no âmbito de investigações que tocam diversas esferas de competência e órgãos investigadores. A falta de clareza legal quanto à competência para celebração de acordos de leniência no âmbito da Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) torna iniciativas como o ACT ainda mais necessárias.
 
Portanto, com o ACT espera-se haver maior coordenação entre CADE e TCU no que diz respeito não só à detecção de ilícitos administrativos envolvendo licitações públicas como também maior coordenação relacionada ao procedimento de negociação de acordos de leniência pelos dois órgãos, potencialmente trazendo maior segurança jurídica para os administrados que necessitem negociar com estes órgãos.
 
Não obstante, esse é um passo inicial que ainda precisará ser devidamente coordenado com o Ministério Público, Federal e estaduais, para ter maior efetividade e garantia de que os acordos negociados em âmbito administrativo também possam ter sua eficácia atestada pelo Ministério Público na esfera criminal já que vários dos ilícitos administrativos investigados pelo CADE e TCU também são puníveis criminalmente.
 
Advocacia da Concorrência
            Além da dimensão de possíveis melhorias do processo de detecção e investigação de infrações administrativas derivadas de fraudes à licitação pública, o ACT possui também uma dimensão voltada à advocacia da concorrência.
 
De fato, com a reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, em 2011, a Lei 12529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência) conferiu à Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) – atualmente denominada Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (SEPRAC) – o papel de protagonista na função de advogada da concorrência. A prática da advocacia da concorrência, consiste, portanto, no convencimento de autoridades públicas (de quaisquer esferas e poderes) a não adotarem medidas que possam ter impacto negativo no ambiente de livre concorrência. Pelo contrário, o papel da SEPRAC é o de justamente atuar no sentido de influenciar as autoridades públicas a editarem medidas que promovam a concorrência. Para tanto, é indispensável o estabelecimento de relações entre os agentes do SBDC e outros órgãos públicos.
 
Todavia, em que pese a SEPRAC ser o principal articulador da advocacia da concorrência, cabe também ao próprio CADE a atividade de promover a competitividade. Exemplo disso foi a assinatura do Acordo de Cooperação Técnica n. 4/2018, exatamente entre CADE, SEPRAC e a Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (SEFEL), com o objetivo de estabelecer a atuação coordenada no âmbito do SBDC para promover a concorrência como instrumento de elevação de competitividade e inovação na economia nacional.
 
Em tal cenário, o ACT firmado pelo CADE com o TCU também pode ser considerado um instrumento de grande importância para a advocacia da concorrência no país, se aplicado de forma a alinhar institucionalmente a atuação dos órgãos em prol da promoção da concorrência. Entretanto, é interessante notar que a atuação de ambos os órgãos para a promoção de maior competitividade em licitações já havia sido tratada na Lei n. 13.334/2016 – Lei do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) – e também nas próprias resoluções do Conselho do PPI.
 
O artigo 6º, inciso III, prevê que os órgãos com competências relativas aos empreendimentos do PPI devem promover a articulação com o CADE e a SEAE (agora SEPRAC), para fins de compliance concorrencial. Por sua vez, a Resolução n. 1/2016, do Conselho do PPI, em diversos artigos, prevê a atuação constante do TCU durante a fase prévia de lançamento do edital, cabendo ao Tribunal a análise dos documentos, a fim de identificar possíveis erros e promover a correção de forma mais célere.
 
Tem-se, portanto, que já havia espaço institucional para que tanto o CADE quanto o TCU atuassem em conjunto com órgãos públicos para a promoção da competitividade e combate à corrupção em licitações públicas. Todavia, o que se viu desde o início do PPI foi uma atuação extremamente tímida neste aspecto, seja pelo lado do CADE quanto pela SEPRAC.
 
O CADE editou um curto documento com “Medidas para estimular o ambiente concorrencial dos processos licitatórios”[4], de alcance limitado e que se propôs a apenas relatar as práticas que países como EUA, Canadá, Nova Zelândia e Índia adotam em suas licitações, além de reproduzir orientações de documentos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Ao tratar especificamente do “caso brasileiro”, o documento foi bastante tímido e não parece ter refletido o que poderia ser extraído de toda a experiência que o CADE acumulou ao longo dos seus anos de atuação nessa área.
 
Sob a ótica da SEPRAC a conclusão não é diferente. As análises do órgão acerca de editais de licitação, talvez pela ausência de uma baliza mais consistente emitida pelo CADE, não adentra propriamente nos desenhos dos editais com o escopo de coibir a prática de infrações concorrenciais, especialmente cartéis. Em geral, conforme se extrai dos pareceres disponibilizados pelo próprio órgão em relação a projetos de infraestrutura[5], o foco está mais voltado para os aspectos contratuais que acabam por desenhar o mercado após a licitação do que no procedimento seletivo propriamente dito.
 
Portanto, em ambos os casos, a oportunidade que o PPI conferiu para a articulação mais próxima dos órgãos do SBDC e do Poder Executivo Federal não surtiu os efeitos desejados. No entanto, mesmo essa experiência pode ser útil para nortear a atuação dos órgãos envolvidos no ACT para a promoção de um desfecho mais positivo.
 
É o que se espera do ACT ao proporcionar maior proximidade ao CADE e TCU que, inclusive, poderá resgatar os próprios normativos do PPI que tratam do assunto, considerando o viés liberal do atual governo e as promessas de retomada de privatizações ou parcerias com a iniciativa privada.
 
Perspectivas
A pergunta que deve ser feita, portanto, frente à assinatura do ACT é: será o documento capaz de trazer maior efetividade para o relacionamento entre CADE e TCU no âmbito de promoção de competitividade e combate à corrupção (e práticas anticompetitivas) em licitações públicas?
 
O escopo do ACT prevê, na maioria de suas disposições, intercâmbio de informações e capacitação técnica dos funcionários de ambos os órgãos. Não se vê, entretanto, disposições que versem mais especificamente sobre a coordenação de esforços institucionais entre os órgãos para o alcance dos objetivos a que se propõe o acordo.
 
Parece faltar no texto do ACT alguma disposição que expresse e preveja que os órgãos terão papel essencial no desenho dos editais, por exemplo. A atuação conjunta dos órgãos é indispensável para que os certames atinjam os níveis de competição desejados, criando obstáculos para a cartelização dos licitantes. Ainda, a atuação prévia dos órgãos (em sede de audiência/consulta pública) seria benéfica no sentido de prevenir questionamentos posteriores do certame pelos próprios órgãos de controle, resultando em suspensão do processo licitatório, por exemplo.
 
Importante ressaltar que, no vetor repressivo, a competência de CADE e TCU são diferentes: enquanto o CADE se preocupa com ações cartelizadas dos licitantes, a competência do TCU é de controle constitucional quanto à aplicação dos recursos públicos. Dessa forma, a efetiva coordenação prévia entre os órgãos recebe ainda maior importância, para que ambos estejam cientes das respectivas investigações, e não haja incongruências entre esferas.
 
Resgatando Carson e Prado, a capacitação de diversos órgãos para monitorar, investigar e sancionar a corrupção pode ser benéfica, mas no Brasil este movimento não se deu de forma coesa e planejada, mas sim foi resultado de esforços independentes e não-coordenados de diversas autoridades. É um desenho que se mostrou efetivo em algumas ocasiões, mas que possui lados negativos relevantes. A sobreposição de competências pode gerar alocação ineficiente de recursos, além de uma certa “concorrência predatória” entre os órgãos, para que uma ou outra autoridade se torne a protagonista em certos casos.
 
O ACT, portanto, é muito oportuno. A cooperação entre as múltiplas portas de combate à corrupção é necessária. Espera-se que o ACT torne a colaboração entre CADE e TCU de fato mais efetiva, o que não tem se observado até o momento. Trata-se de auxílio indispensável para o aumento da segurança jurídica e combate a cartéis e fraudes à licitação.
 
 
Fonte: JOTA

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