Segurança nacional e a Receita Federal na recuperação do Brasil
Candidato que acredita que menosprezar RFB ajuda reduzir peso dos gastos vai na contramão das maiores economias do mundo
Seja quem for o próximo presidente da República, terá a inadiável tarefa de recuperar a confiança do auditor-fiscal da Receita Federal, cuja fé na palavra do governo simplesmente se esvaiu. Não somente porque demandas da categoria e acordos fechados, por meio de lei, foram solenemente descumpridos, mas também por causa da situação estrutural complicada pela qual a administração tributária passa. O ocupante do Palácio do Planalto, a partir de 1º de janeiro próximo, há que superar a visão obtusa de que a RFB é somente o veículo arrecadador da União. Na realidade, há muito tempo ultrapassou tal função. Se o eleito não enxergá-la como pilar da segurança nacional, mantém o Brasil no atraso antes mesmo de arregaçar as mangas e trabalhar.
Ao olhar algumas das mais admiradas nações do Planeta, nota-se que o conceito de segurança nacional inclui ações de inteligência, tocadas por agentes de Estado altamente especializados, no intrincado universo das operações financeiras transnacionais, que inclui o submundo da lavagem internacional de dinheiro. Ingenuidade acreditar que, atualmente, não se derruba um chefão do narcotráfico ou uma célula terrorista sem percorrer o caminho das transações monetárias.
Muitos processos da Operação Lava Jato foram consolidados a partir de fartas provas documentais oferecidas por instituições da Suíça, implacáveis ao rastrear movimentações bancárias. Entregando-nos esses elementos, mandou um recado à comunidade internacional: foi-se o tempo em que era leniente com fortunas erguidas à base de cocaína; com relações maritais entre elites políticas e empresariais, e governos corruptos; com tráfico de armas; com ditaduras sanguinárias – e várias modalidades criminosas.
Como os suíços demonstraram, as instituições de Estado de várias nações adotaram o princípio de que qualquer dinheiro que ingressa em seus territórios deve ser rastreado, para o bem das democracias e segurança da população. Uma tese que vinha se aperfeiçoando desde as guerras da década de 1990 – quando a comunidade internacional enfim enxergou a ligação do sistema bancário com o submundo, sobretudo na explosão do escândalo do BCCI – e que ganhou impulso depois do 11 de Setembro.
Mas, na cruel realidade do Brasil, o nem tão novo assim conceito internacional de segurança nacional é um extraterrestre além da capacidade de detecção dos radares dos presidenciáveis. Nos debates e sabatinas havidos até agora, nem sequer o tangenciam, e quando tratam de assuntos correlatos, abrigam-se nos lugares-comuns. Nas oportunidades que têm de passar ao eleitor qual papel imaginam ser os dos organismos de Estado, desconhecem o da RFB na proteção da sociedade. Gostaria de saber o que têm a dizer sobre a Receita não integrar a estrutura do Sistema Único de Segurança Pública e a respeito de não ter atribuições incluídas nas definições da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. A Lei 13.675/18 é cristalina em tais omissões.
O desmerecimento com o Fisco, e, por consequência, com o auditor-fiscal, também se materializa em bombas de efeito retardado cujo futuro governo terá de desmontar. Uma delas está armada: o corte de R$ 154,3 milhões, promovido pelo Ministério do Planejamento, no custeio da RFB. A primeira tesourada, de R$ 141,3 milhões, foi em 17 de maio; a segunda, de R$ 13 milhões, em 30 de maio, pela Medida Provisória 839/18. A Portaria MP 129A reduziu em 50% a verba para Auditoria e Fiscalização Tributária Aduaneira, nas quais incluem-se as Operações Especiais, que combatem sonegação de impostos, lavagem de dinheiro e crimes financeiros contra a União.
Para quem não entendeu o que isso significa: estrangularam a fiscalização. A consequência óbvia é a derrubada da arrecadação e a insegurança. Para um novo governo que terá no colo um rombo de R$ 139 bilhões (por enquanto!) nas contas públicas, redução do fluxo para os cofres do Tesouro é um ingrediente eficiente para o desastre. Na busca pelo equilíbrio financeiro, será a legitimidade do presidente eleito suficiente para conquistar a compreensão, de toda a sociedade, para eventuais medidas restritivas a serem tomadas? E sobretudo quando é fartamente sabido que os recursos vindos do pagamento de tributos poderiam ajudar na solução do problema? Aguardemos.
A Constituição Federal é óbvia, no art. 37, inciso XXII, quando prevê a importância de priorizar os recursos para a Receita, na qualidade de administração tributária da União. E a Lei 1.079, de 10 de abril de 1950 (Lei do Impeachment), há muito enquadrou no seu art. 11 tal conduta (negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas) como crime de responsabilidade fiscal.
Foi preciso que o País mergulhasse numa profunda crise ética e econômica para que a opinião pública se desse conta de que a corrupção roubou as oportunidades pelas quais compatriotas lutam intensamente. Portanto, o candidato que pensa que desvio e lavagem de dinheiro nada têm a ver com 13 milhões de desempregados, Custo Brasil, burocracia, tributação regressiva, e outros males que tornam nossa sociedade uma das mais desiguais do planeta, continua ancorado a conceitos defasados em pelo menos 30 anos.
O candidato que acredita que menosprezar a RFB ajuda a reduzir o peso dos gastos do Estado, vai na contramão das maiores economias do mundo. O que se vê nelas é o endurecimento da fiscalização para os direitos de toda a sociedade serem plenos. Aplicação sem desvios do arrecadado é o que diminui as distâncias entre as camadas da população e permite a governabilidade.
O candidato que acha que conseguirá manter as instituições republicanas intactas ao desprestigiar a Receita, ao solapar-lhe a efetividade na luta contra a sonegação e a lavagem de dinheiro, torna o Brasil instável. E pode fazê-lo inviável.
Fonte: JOTA
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