Notícias

Imagem

Auditora escreve artigo sobre conexão de medidas implementadas na administração pública

coneXões

Ano passado eu gostava de assistir à série Touch, exibida pelo canal Fox. A estória girava em torno de um garotinho autista que só se comunicava através de números. Quando ele apresentava um determinado número ao pai, significava que estavam acontecendo vários problemas ao redor do mundo, todos conectados entre si e relacionados àquele número. Nós, servidores públicos, estamos vivendo algo semelhante: as medidas que vêem sendo implementadas na Administração Pública desde o ano passado, aparentemente não têm relação, mas ao fim e ao cabo estão todas conectadas. À falta de um número mágico, representarei essas conexões por um X. Esse recorte é meramente exemplificativo.

O primeiro X da conexão foi a instalação da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC), pela Presidente Dilma Rousseff, em 11/05/2011, via Decreto nº 7.478, vinculada ao Conselho de Governo da Presidência da República. Presidida pelo empresário Jorge Gerdau e contando com Abílio Diniz, Antônio Maciel Neto e Henri Reichstul, o objetivo da Câmara é “aprimorar a gestão pública, não só na formulação de mecanismos de controle da qualidade de gasto público, como também no estabelecimento de diretrizes” (do site <http://www.cdes.gov.br/noticia>. A Ministra do Planejamento, Miriam Belchior, declarou, na época, que “Para alcançarmos esse objetivo, teremos que enfrentar sistemicamente e com empenho ainda maior os desafios de inovação na gestão, tanto na área pública, quanto na área privada". Desde então, os quatro cavaleiros estão dando o tom nos projetos que de lá saem e influenciam os caminhos do governo.

O segundo X foi a aprovação do PL 1992/2007, convertido na Lei nº 12.618/2012 que criou o fundo de previdência complementar para os servidores civis da União e autorizou a criação de três entidades fechadas de previdência complementar: Funpresp-Exe (Poder Executivo), Funpresp-Leg (Poder Legislativo) e Funpresp-Jud (Poder Judiciário). Todo o processo de instituição do novo regime de previdência transcorreu a toque de caixa. Já em 21/09/2012 foi publicado o Decreto nº 7.808, criando a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo - Funpresp-Exe, entidade fechada de previdência complementar vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Em 26/10/2010 o STF editou a Resolução nº 496, instituindo a Funpresp-Jud. Em seguida foi a vez do legislativo que editou em 31/01/2013, o Ato nº 74 da Mesa da Câmara dos Deputados, aprovando o Convênio de Adesão do Poder Legislativo à Funpresp-Exe.

Na época da tramitação do PL nº 1992/2007, uma voz dissonante no Congresso Nacional foi o Senador  Randolfe Rodrigues, que alertava para os riscos de submeter a previdência dos servidores públicos às regras do mercado.

 

Esse PL é a quarta geração da reforma previdenciária. Transfere a previdência pública para um fundo de pensão sujeito às regras do mercado e sendo contrário ao princípio sobre o qual ela se funda. Uma previdência pública é assentada sobre o princípio da segurança, existe para dar segurança e tranquilidade para aquele que vai ser beneficiado por ela. É um símbolo de um Estado que procura o bem-estar social dos seus. A criação de um fundo de pensão, ao contrario sensu, é a privatização da previdência pública e significa a flexibilização, a neoliberalização do papel do Estado, o afastamento desse Estado da sua responsabilidade em garantir a previdência pública para os seus servidores.

 

Naquele momento, nós Auditores-Fiscais, não compreendemos por que a Direção Nacional do nosso sindicato desistiu de realizar o seminário programado para acontecer no auditório do Senado na data da votação do PL 1992/2007. Hoje, percebemos que a desistência tinha tudo a ver com o desenrolar dos acontecimentos. Contrariando todas as expectativas, um grupo de Delegacias Sindicais aguerridas realizaram o seminário que reuniu mais de 600 representantes de diversas categorias. Não foi ´possível impedir a aprovação do projeto, mas serviu para mostrar que a proposta do governo não tinha o aval dos servidores públicos. O Auditor-Fiscal Marcelo Lettieri Siqueira alertou para os riscos decorrentes do fim do modelo de previdência instituído pela CF/88:

 

O sistema de financiamento estabelecido manteve a contribuição dos empregadores e dos empregados sobre os salários e instituiu contribuições sociais com objetivo de ampliar a receita destinada à seguridade social para assegurar aos trabalhadores rurais, aos idosos e aos portadores de necessidades especiais, uma renda os permitissem viver com dignidade, ao mesmo tempo garantindo aos aposentados que a sua sobrevivência, após o período laboral, não ficasse à mercê dos humores do mercado, com as suas crises reais ou fictícias, assim como da lógica que o rege: diminuir os custos, especialmente dos encargos trabalhistas, para aumentar o lucro. Disponível em <www.auditorfiscal.org.br>

 

Não causaram surpresa, portanto, as notícias divulgadas nos grandes meios de comunicação nas últimas semanas, acerca dos prejuízos sofridos pelos fundos de pensão dos servidores do Banco do Brasil e dos Correios com a derrocada das empresas de Eike Batista. Segundo a Folha de São Paulo, a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, perdeu pelo menos R$ 13 milhões com ações das empresas do grupo EBX. Já o fundo Postalis teve deficit de R$ 985 milhões nos últimos dois anos. O rombo será dividido entre os Correios e os participantes do fundo. O deficit "decorre da significativa redução dos juros e da diversificação que ocorreu na Bolsa, concentrada especialmente em ações das empresas de Eike Batista", disse Wanderley José de Freitas, presidente da Globalprev (consultoria contratada pelo Postalis), em gravação obtida pela Folha.

O terceiro X foi o fiasco da greve dos servidores públicos de 2012. No que concerne aos Auditores-Fiscais, a categoria, orientada pela Direção Nacional do Sindifisco, realizou uma “mobilização branca”, ou seja, com assinatura de ponto e realizando os trabalhos, mas sem fechar fiscalizações. O resultado foi a assinatura de um acordo pior do que a proposta original apresentada pelo governo e o cumprimento de todas as metas fixadas para a Receita Federal. A “grande conquista”: a promessa de instituição de uma parcela êxito a ser agregada ao subsídio. Diante do alerta de que essa forma de remuneração era incompatível com o subsídio, a Direção Nacional do Sindifisco encomendou um parecer ao professor Alexandre Morais. O parecer foi favorável (como não poderia deixar de ser, já que custou R$100.000,00), mas com tantas ressalvas que deixa sérias dúvidas sobre sua viabilidade.

O quarto X foi a conclusão, em abril, do relatório do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria RFB nº 79, de 29 de janeiro de 2013 para realizar estudos relativos a modelo de ganho remuneratórios vinculados à eficiência da arrecadação federal. No texto do relatório consta que a matéria já “fora objeto de estudo específico criado pelo Conselho de Delegados Sindicais do Sindifisco Nacional, que apresentou relatório e parecer do constitucionalista Alexandre Morais, referência para este trabalho”. Na última sexta-feira (19/07/2013) foi divulgada uma minuta de projeto de lei instituindo o “bônus de eficiência”.

O ponto de conexão de todos os X é a implantação do gerencialismo na Administração Pública Federal, comandada pela Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC) e, no caso específico da Receita Federal do Brasil, orquestrada pelo Sindifisco Nacional. É a instituição do método Balanced ScoreCard (BSC) para avaliação de competência dos servidores públicos. Em palestras realizadas em eventos promovidos por  algumas Delegacias Sindicais, o Auditor-Fiscal Marcelo Lettieri Siqueira esclarece o funcionamento dessa metodologia:

Balanced Scorecard é uma metodologia de medição e gestão de desempenho desenvolvida pelos professores da Harvard Business School, Robert Kaplan e David Norton, em 1992. Os passos dessas metodologias incluem: definição da estratégia empresarial, gerência do negócio, gerência de serviços e gestão da qualidade; passos estes implementados através de indicadores de desempenho. As experiências de aplicação do BSC revelam que executivos arrojados utilizam o BSC não apenas como um instrumento de medida do desempenho organizacional, mas também como ferramenta de gestão, sendo mais utilizado para estabelecer metas individuais e de equipes, remuneração, alocação de recursos, planejamento, orçamento, feedback e aprendizagem estratégica.

 

 

Lettieri faz um alerta para os riscos da aplicação do BSC no setor público:

BSC no Setor Público: Fracasso!

• O que os estudos demonstram (Metawie e Gilman, 2005 – UK):

– A remuneração por desempenho do BSC desestimula trabalhos em grupo.

– A implantação em alguns órgão públicos gerou comportamentos disfuncionais como: competição interna, deturpação de funções, negligenciamento de tarefas e visão de curto prazo.

– O nível de subjetividade encontrado nos processos de medição de desempenho revelou-se ter um impacto negativo sobre o comportamento dos funcionários, desmotivando-os e desmoralizando os “prêmios”.

– Constata-se que a mudança da remuneração para modelos mais flexíveis, baseados em recompensas, com base no desempenho individual, afetaram o sentimento de segurança no trabalho dos funcionários e reduziram o compromisso com o interesse público e a motivação entre os trabalhadores do setor público.

 

 

A instituição da previdência completar para os servidores públicos está diretamente relacionada com a remuneração por bônus de eficiência, que, por sua vez, tem tudo a ver com o modelo gerencialista. E não nos deixemos enganar pelo brilho do pote de ouro no fim do arco-íris: esse modelo não tem como garantir a paridade entre ativos e aposentados. Vejamos: se o indivíduo vai ganhar por produção e pagar previdência privada para garantir sua aposentadoria, por que haverá de concordar em sustentar a remuneração integral daqueles que não estão mais produzindo? É a lógica da iniciativa privada transposta para o Estado. É um encadeamento que tem como objetivo constituir uma rede de proteção para o capital, retirando direitos dos trabalhadores e dos cidadãos. O trabalhador do setor público deixa de ser um servidor da sociedade  para ser um “colaborador” da empresa chamada Estado com direito, inclusive, a participação nos “lucros”. O indivíduo deixa de ser cidadão, sujeito de direitos, para tornar-se cliente, mero consumidor. Quem não produz nem consome é excluído do “sistema”.

O relatório do grupo de trabalho constituído pela Receita Federal cita exaustivamente o princípio da eficiência como justificativa para a instituição do bônus. O que isso quer dizer? Que um servidor remunerado através de subsídio, de forma condizente com o cargo que ocupa, não tem o dever de ser eficiente? Que o cidadão, que paga seus impostos compulsoriamente, será exigido até o limite do suportável para garantir a eficiência da “Máquina” Pública? E o Estado, o pacto social, como é que fica?  Indico, como resposta, o documentário “The Corporation” e a novela Saramandaia, onde o absurdo é absolutamente possível e até desejado por muitos.

 

Por Vanderly Campos de Oliveira

Comente esta notícia

código captcha
Desenvolvido por Agência Confraria

A Delegacia Sindical de Curitiba do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) utiliza alguns cookies de terceiros e está em conformidade com a LGPD (Lei nº 13.709/2018).

Saiba mais sobre o tratamento de dados feito pela DS Curitiba CLICANDO AQUI. Nessa página, você tem acesso às atualizações sobre proteção de dados no âmbito da DS Curitiba, bem como às íntegras de nossa Política de Privacidade e de nossa Política de Cookies.