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Artigo de Marcellus Ribeiro Alves: "Ladeira abaixo – Uma análise dos gastos públicos da União"

O Auditor-Fiscal da Receita Federal e atual Secretário da Fazenda do Estado do Maranhão, Marcellus Ribeiro Alves, publicou um artigo no Jornal Pequeno (MA), no qual analisa a distribuição da carga tributária e os impactos da PEC 241/2016. Confira abaixo na íntegra:

Ladeira abaixo – Uma análise dos gastos públicos da União.


*Marcellus Ribeiro Alves 

 

A forma de obtenção da receita (por meio de tributos e sobre quem eles incidem) e a sua aplicação (despesa pública) é uma opção política e revela a ideologia daqueles que possuem o controle orçamentário.

Sobre a receita pública um dado é revelador: as famílias com renda mensal de até três salários mínimos são responsáveis por 53% da arrecadação do país, enquanto que aquelas com rendimentos superiores a 20 salários mínimos participam com apenas 7,3% do total dos tributos pagos.

Assim, evidentemente, há uma parcela da população muito rica que pouco contribui e, desta forma, muito acumula. A mínima contribuição das classes mais abastadas é uma das causas do déficit público, que leva o Estado a pedir empréstimos para cumprir suas funções constitucionais.

É justamente esta parcela mais rica da população, que se apropriou ou se associou ao capital financeiro, que empresta recursos ao Estado, a juros elevados, sob pena de, dado a volatilidade da atividade financista, migrando seus ativos financeiros para outros países, sem nenhum patriotismo, quando as condições externas se mostrarem mais atraentes que as internas.

Esta a primeira nota para entender-se o ajuste fiscal que ora é proposto.

Analisemos esta situação a partir, então, da despesa pública, com o objetivo de confirmar ou não estas afirmações.

Neste propósito, anotamos que a proposta de Emenda à Constituição (PEC 241) que busca impedir aumentos reais nos gastos públicos, especialmente saúde e educação nos próximos 20 anos, possibilita ao país uma avaliação mais aprofundada do perfil da despesa pública no País.

Vamos lá. Pergunto ao leitor: com que se gasta mais no País: com Previdência Social ou com serviços da dívida, leia-se, pagamento do principal da dívida mobiliária com juros e multa aos Bancos?

Nos brasileiros pagamos em 2015, conforme orçamento da União, 544,7 bilhões de serviços da dívida, ao passo que a despesa com previdência social alcançou o valor de 541,6 bilhões.  Percentualmente, cerca de 43% de todo o orçamento da União é destinado ao pagamento da amortização da dívida.

Sobre a Previdência, importante observar ainda que apenas 85,9 milhões é dispêndio com o Regime Estatutário. Portanto, a expressiva maioria da rubrica orçamentária (352 bilhões) é destinada à Previdência de natureza celetista.

Uma segunda pergunta incômoda aos defensores da PEC: Com que se gasta mais: com serviços da dívida ou com educação?

Mais uma vez a resposta aponta que há algo que merece ser reparado: gasta-se com educação no país, conforme dados extraídos do Orçamento da União, apenas cerca de 115 bilhões.

Mesmo que acresçamos às despesas com educação o valor dispendido com a saúde pública (113 bilhões) do país, chegamos a uma constatação alarmante: o orçamento destinado à saúde e educação no país (228 milhões) é bem menos da metade de tudo que é pago aos serviços da dívida, incluindo amortização do principal (544,7 bilhões, acima já demonstrado). Só os juros da dívida se igualam a todo orçamento com educação e saúde, juntos.

Que esperar do futuro de um país que usa recursos da educação para pagamento de juros da dívida?

Evidente que congelar recursos destinados à educação e saúde num momento deste, em que os gastos estão no piso, no chão, é usurpar direitos fundamentais do cidadão, em prol de mais dinheiro para pagamento dos juros da dívida pública ao mercado.

Juridicamente este fato tem consequência relevante: a PEC 241 é inconstitucional, pois estabelece a Constituição em seu artigo 60, § 4º, que sequer pode ser objeto de deliberação emenda que vise abolir direitos e garantias individuais.

Uma terceira pergunta. Com o que se gasta mais: com programas emergenciais e assistenciais destinados às famílias de baixa renda ou com renúncias fiscais de Imposto de Renda e IPI, em essência, voltadas ao grande capital, às famílias, enfim, de maior renda?

Eis os números: conforme dados do Tribunal de Contas da União, o governo federal, de 2008 a 2012, gastou com desonerações tributárias cerca de 327,78 bilhões, uma média de 65 bilhões ao ano, ao passo que a despesa com o bolsa família em 2015 foi de 26,9 bilhões.

Conclui-se, portanto, em operação aritmética simples, que a despesa com bolsa família é bem menos da metade do que a União gasta apenas com as desonerações tributárias com IPI e Imposto de Renda.

Não é sem propósito, portanto, que o Tesouro Nacional estima que o investimento total do governo federal atingirá a mínima percentagem de 0,5% do Produto Interno Bruto estimado para 2016, nível até menor que o da relação registrada em 2008, que foi de 0,9%, início da crise econômica mundial.

Com a PEC 241, se o dinheiro excedente ao superávit primário que será gerado - produzido adicionalmente pela limitação do gasto governamental -  for usado para pagamento de juros da dívida, como costuma acontecer, isto é, se não for utilizado para investimento público, especialmente em infraestrutura, potencialmente a queda da atividade econômica será muito maior e com resultados previsíveis: numa expressão típica da geografia de nossa cidade, será ladeira abaixo.

 

*Marcellus Ribeiro Alves é Bacharel em Economia e em Direito. Especialista em Direito Tributário. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e atualmente Secretário de Estado de Fazenda do Maranhão.

Fonte: DS Ceará

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