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Chance de fechar a Rodada Doha ainda neste ano é zero, diz novo diretor-geral da OMC

Roberto Azevêdo, novo diretor-geral da OMC (Organização Mundial de Comércio), reduz as expectativas para seu primeiro teste no cargo: a conferência de Bali, na Indonésia, em dezembro.

"Não há a menor possibilidade de finalizar a negociação em Bali. Zero", disse à Folha. Ele se refere à moribunda Rodada Doha, negociação para liberalizar o comércio entre os 159 países da OMC, que se arrasta há 12 anos.

Azevêdo afirma que "o pacote de Bali será necessariamente parcial", incluindo temas como redução da burocracia no comércio, e que deve haver um "entendimento político" sobre o resto.

Um dos mais hábeis negociadores do Itamaraty, Azevêdo diz que não tem medo de passar para a história como o diretor que enterrou a Rodada Doha, comprometendo o futuro da OMC. "Talvez o segundo", diz, referindo-se ao francês Pascal Lamy, que ficou oito anos no cargo.

Ele garante que "nunca" se sentiu constrangido pelo protecionismo do governo Dilma e nega que tenha dito que a OMC não tem competência para tratar de câmbio (um pleito do Brasil).
Azevêdo, que tomou posse no início do mês, faz hoje seu primeiro discurso como diretor-geral em Genebra.

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Folha - Qual será a mensagem do seu primeiro discurso?
Roberto Azevêdo - Vou enfatizar a importância de redinamizar o sistema multilateral e de conseguirmos um resultado em Bali. Não apenas pelo impacto econômico do acordo, mas pela injeção de ânimo que um sucesso em Bali trará para as negociações da OMC.

Qual é a sua estratégia para evitar que a conferência de Bali seja um fracasso?
Sobretudo, diálogo. Filtrar o que é crítico do que não é e encontrar as possibilidades de barganha. De maneira geral, conquistar a confiança dos membros na atuação como um "broker" (negociador) entre as partes.

Como obter essa confiança?
Em parte, essa confiança já existe por conta do relacionamento ao longo dos meus anos de Genebra. Esse capital de conhecimento técnico e pessoal vai ser importante.

Analistas apostam em acordos parciais na conferência de Bali. É essa a sua estratégia?
Na última reunião ministerial, em dezembro de 2011, todos concordaram que uma conclusão completa do pacote de Doha seria impossível no futuro imediato. A conferência de Bali, quase que por definição, não poderá ser a conclusão da Rodada. Não há a menor possibilidade de finalizar a Rodada Doha em Bali. Zero. O pacote de Bali será necessariamente parcial.

Em quais temas você enxerga maior chance de acordo?
Os temas que têm recebido maior atenção dos membros são facilitação de comércio e alguns pontos em agricultura, como segurança alimentar, administração de cotas tarifárias e subsídios à exportação. E há outros temas de interesse dos países de menor desenvolvimento relativo.

China e Índia querem fazer estoques controladores de alimentos. Esse pleito pode travar a negociação?
É um pleito bem delimitado. E não se trata apenas de formar estoques, mas da criação de estoques públicos para distribuição ou venda de alimentos a preço subsidiado para populações carentes.

Mas significa aumento do subsídio agrícola, o contrário do que deseja o Brasil.
Formação de estoque pode ser um tipo de intervenção governamental que leva à superprodução e a excedentes exportáveis. Mas não é disso que está se falando aqui. E, sim, da compra de alimentos para distribuir a populações carentes, com preços mais baixos que o de mercado. Isso tem um alto custo para o Tesouro. A limitação orçamentária dos países impediria que esses subsídios levassem a distorções grandes de mercado. E estamos discutindo como limitar esse espaço.

Se o acordo de Bali for parcial, o que acontece com o restante da agenda de Doha, como abertura dos mercados agrícola e industrial?
Não consigo imaginar algum tipo de acordo em Bali sem que haja um entendimento político para a continuidade das conversas sobre a Rodada Doha.

Você está otimista?
Continuo achando que um acordo é possível, mas, a cada dia que nos aproximamos da data da conferência, vai ficando mais difícil. É viável, mas extremamente complexo e desafiador.

Você tem receio de entrar para a história como o diretor-geral que permitiu que a Rodada fracassasse?
Não. Talvez o segundo a não conseguir fechar a Rodada Doha.

Se a Rodada fracassar, a OMC corre o risco de desaparecer?
Não. A OMC não vai desaparecer nunca. São temas de importância crítica para o crescimento econômico e desenvolvimento social. A OMC poderá ser repensada, evoluir, mas não desaparecerá.

A agenda da Rodada pode estar "velha"? Seria necessário incluir novos temas ou lançar uma nova rodada?
Até hoje não vi entre os membros nenhuma conversa nesse sentido. Os países são soberanos para decidir qualquer caminho, mas acho que há formas mais factíveis de se concluir a Rodada Doha do que tentar começar uma nova negociação. Mas sou sempre uma pessoa de cabeça muito aberta.

Os EUA voltaram a crescer e alguns economistas já falam em fim da crise global. Qual é o reflexo para as negociações da OMC?
Sempre ajuda o clima das negociações. Mas não é suficiente para desatar os nós.
O problema é mais sistêmico e envolve outros fatores, como as circunstâncias políticas de cada país e a diversidade de pensamentos. O núcleo duro da OMC hoje é composto por países mais heterogêneos. Isso é um desafio importante, mas não insuperável.
Com a perspectiva de crescimento dos EUA, as moedas dos países emergentes estão se desvalorizando. Isso ajuda ou atrapalha as negociações?
Sempre entendi a questão cambial como cíclica. Não pode ser tratada tirando uma fotografia do tempo. É preciso avaliar o longo prazo. Vai ter momentos de alta e de baixa. O que é preocupante é quando essa oscilação -para cima ou para baixo- passa dos parâmetros naturalmente esperados.

Você já disse que a OMC não tem competência para tratar da questão cambial...
Eu nunca, jamais disse isso. Pelo contrário. A OMC pode discutir e falar sobre a questão cambial. O que eu já disse é que a OMC não vai conseguir resolver sozinha as oscilações atípicas do câmbio- assim como nenhum outro organismo internacional. Os fatores que levam à volatilidade cambial não são tratáveis em apenas um órgão.

Que papel cabe à OMC na discussão de câmbio?
É difícil dizer o que a OMC pode fazer. Depende do resultado das discussões que os membros venham a ter sobre esse assunto. Essas discussões ainda não estão maduras o suficiente para especularmos.

No governo Dilma, o Brasil se tornou um país mais protecionista. Isso já lhe criou algum tipo de embaraço?
Nunca.

Mas o governo pode esperar que o sr. defenda os interesses do Brasil na OMC?
Nenhum país pode esperar que eu defenda seus interesses exclusivamente. Todos os países podem esperar que eu defenda seus interesses coletivamente.

Os Estados Unidos estão negociando acordos bilaterais com a União Europeia e com países do Pacífico. Como isso impacta a Rodada?
Negociações de grandes acordos regionais sempre aconteceram. Minha expectativa é que vão contribuir na harmonização das disciplinas internacionais. É claro que não podem conflitar com as disciplinas da OMC. O problema não está nos acordos bilaterais, mas na paralisia das negociações multilaterais de comércio.

Desde que a China entrou na OMC, as negociações estão paradas porque os países tem medo da concorrência?
A paralisação das negociações da Rodada não pode ser atribuída a um membro, nem a dois ou três. É claro que toda vez que uma grande economia entra em um sistema como a OMC, há um processo de acomodação. Isso ocorreu com a entrada da China, está acontecendo com a entrada da Rússia. Seria até ingênuo pensar que seria diferente. Se é difícil essa acomodação, seria pior não ter esse país no sistema multilateral.

  3.set.13/G20 Rússia/AFP  
Roberto Azevêdo, novo diretor-geral da OMC
Roberto Azevêdo, novo diretor-geral da OMC

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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